São Paulo, sábado, 06 de maio de 2006

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LIVROS

LITERATURA INGLESA

Zadie Smith e Caryl Phillips abordam diferentes etnias

Lançamentos reafirmam filão inglês do multiculturalismo

MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA

Não é de hoje que a literatura inglesa se beneficia de talentos provenientes de seus antigos satélites coloniais ou mesmo de culturas alheias. E nem é preciso seguir tão longe quanto à época de Joseph Conrad, nascido na Polônia, em 1857. De umas décadas para cá, V. S. Naipaul (vindo de Trinidad) e Kazuo Ishiguro (do Japão) vêm ganhando prêmios e distinções.
Mas o que se vê agora é a busca por tratar as relações que hoje se criam entre culturas diferentes, mas que têm como referência a ilha de Tony Blair. Naipaul sempre se interessou mais pelos problemas do passado e Ishiguro, bem Ishiguro é como um novo Evelyn Waugh, mais "british" impossível.
Autores como Zadie Smith vêm fazendo a cabeça dos súditos de Elizabeth. Seu primeiro livro, "Dentes Brancos", pelo qual ganhou uma fortuna de adiantamento (leia texto abaixo) já vendeu mais de 1 milhão de exemplares em países de língua inglesa, além de ter sido traduzido para mais de 20 idiomas.
Smith tinha 24 anos. O adiantamento recebido estipulava a produção de um novo romance, que ela lançou dois anos depois. Smith disse ter sofrido um bloqueio criativo. Não deve ter sido fácil romper o apelo do sucesso do primeiro livro, e o esforço é visível em "O Caçador de Autógrafos", o segundo.
Num enredo alentado, o protagonista Alex-Li-Tandem, filho de mãe judia e pai chinês, comercializa autógrafos. Suas aventuras na perseguição às assinaturas o levam a uma feira mundial nos Estados Unidos e a se envolver com outra caçadora de autógrafos, mais famosa por, no passado, ter feito sexo oral num astro de Hollywood. Sim, qualquer semelhança com o "affair" Hugh Grant e Divine Brown não é mera coincidência.
Bem menos engraçado e de entrecho menos complexo é o romance "Uma Margem Distante", de Caryl Phillips. Nascido no Caribe e hoje vivendo entre Londres e Nova York, o autor não tem o mesmo destaque na mídia que Smith, mas, segundo ele afirma em entrevista à Folha, "vem escrevendo [sobre o entrelaçamento de diferentes culturas] há mais de 25 anos". Phillips tem 48 anos.
Seu romance trata da frágil e ambígua relação entre dois indivíduos aparentemente dessemelhantes: uma ex-professora de música divorciada e um refugiado africano. Os dois vivem num subúrbio de classe média de uma cidadezinha do norte da Inglaterra.
Aos poucos, por meio de um engenhoso recurso de manipulação temporal, vamos conhecendo o passado de cada um, até o momento em que se encontram. Os conflitos raciais na África de certa forma espelham as torturas psicológicas de que padece a professora na Inglaterra.
Não é um cenário amistoso como o de Smith, mas proporciona alguma esperança. "Que duas pessoas possam encontrar conforto e amizade inocente uma com a outra, em meio ao preconceito, é extremamente belo. Os dois estão sozinhos e, por um breve momento, são capazes de encontrar a vida tão-somente porque sabem que a outra pessoa existe e está interessada nela", diz Phillips.
O preconceito retratado no livro atinge dimensões cruéis e abrange diferentes facetas e etnias. Embora o autor confesse que o "preconceito racial ainda está firme e forte hoje no Reino Unido", ele tem uma visão otimista do multiculturalismo.
"Essa situação cada vez mais se torna a "norma" no mundo -sociedades multiculturais e pessoas que podem reivindicar mais de uma herança étnica. Alguns reacionários acham assustador esse tipo de hibridismo. Eu acredito que ele é ao mesmo tempo excitante e inevitável no mundo."
É possível que seja inevitável. Mas a verdade é que já chegou à ficção. Pois é esse caldo multicultural que anima a matéria narrativa de novos e nem tão novos autores satisfazendo um público cada vez maior e inflacionando o mercado editorial com remunerações cada vez mais polpudas.


O Caçador de Autógrafos
    Autora: Zadie Smith
Tradução: Beth Vieira
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 49 (392 págs.)


Uma Margem Distante

     Autor: Caryl Phillips
Tradução: Maria José Silveira
Editora: Record
Quanto: R$ 40,90 (352 págs.)


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