São Paulo, sábado, 06 de maio de 2006

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ROMANCE/"OS DESENCANTADOS"

Escrita em 1950, obra de Budd Schulberg narra trajetória do grande autor da era do jazz

Ficção recria glória e declínio de Scott Fitzgerald

JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA

Tornado célebre com o Oscar de 1954 pelo roteiro de "Sindicato de Ladrões", Budd Schulberg merecia também ser lembrado por sua obra ficcional, da qual "Os Desencantados" é a marca na prateleira mais alta da estante, e uma marca indelével. Dono de uma prosa estupenda, herdeira direta do melhor realismo do século 19, Schulberg narra neste romance de 1950 a ascensão e queda de um envelhecido e depauperado Scott Fitzgerald, vitimado por seu próprio mito e a serviço de Hollywood.
Em seus últimos dias, o grande escritor da era do jazz (rebatizado no livro como Manley Halliday) é contratado por um estúdio de cinema para escrever o roteiro de mediana comédia universitária. Recém-egresso da Universidade de Dartmouth, o jovem roteirista (e alter ego de Schulberg) Shep Stearns entra no trabalho com dupla função: escrever e servir de babá para o autor decadente.
Alcoólatra e diabético, Halliday/Fitzgerald é retratado como um dipsomaníaco com grande dificuldade de aceitar a árdua realidade da ressaca deixada pelo crack de 29 e pelos bailes formidáveis da década de 20, período áureo da "geração perdida", à qual pertenceram Hemingway e tantos outros escritores americanos, cujas sensibilidades foram forjadas pela Primeira Guerra e pelo período de celebração posterior a ela.
Com surpreendente estrutura narrativa, "Os Desencantados" alterna a nostalgia desses anos fervilhantes passados na Europa com a triste realidade da sobrevivência dos últimos anos de Fitzgerald, vista pelos olhos ao mesmo tempo admirados e decepcionados do jovem Shep.
Em permanente embate com a memória dos dias melhores, Halliday tem diante de si o fantasma do debacle financeiro motivado pela gastança boêmia e as dívidas decorrentes da internação de Zelda (renomeada Jere Halliday). A prosa poderosamente visualista de Schulberg (e nisto é impossível não reconhecer a influência do próprio Fitzgerald) reconstrói com beleza o reino dos Hallidays em Paris e nas praias iluminadas da costa européia, e sua apaixonada descrição da jovem Jere ("um carrossel espalhafatoso, rebuscado e frágil, incendiado e reduzido a cinzas") faz com que não apenas Scott/Manley se apaixone por ela, mas também o leitor.
Das mais notórias vítimas dos desvãos sinistros do binômio arte/vida, em seus derradeiros dias Fitzgerald/Manley mantinha um dilema sobre o que fazer com suas últimas horas: sacrificá-las em Hollywood em prol da sobrevivência ou se dedicar à finalização do romance que ressuscitaria suas glórias passadas? Preso da dúvida, resta-lhe apenas a pergunta que ecoa: "Jere, Jere, o que fizemos conosco? Não podemos voltar para o sonho e não podemos ir para nenhum outro lugar".


Joca Reiners Terron é escritor, autor de "Hotel Hell" (Livros do Mal), entre outros

Os Desencantados
     Autor: Budd Schulberg Tradução: Alexandre Barbosa de Souza, Alípio Correia de Franca Neto e Rodrigo Lacerda Editora: Cosacnaify Quanto: R$ 59,90 (432 págs.)



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