GABRIELA LONGMAN
DA REPORTAGEM LOCAL

A produção do documentário pode não ser 100%, mas a vida de Adalgisa Nery (1905-1980) é tão interessante que faz valer a pena esta parada no Canal Brasil.
O programa dirigido por Malu de Martino mostra os meandros do casamento de Adalgisa e Ismael, mas a história ganha força propriamente após a morte do pintor, em 1939. Da mulher dedicada, surge a escritora desenvergonhada, a jornalista opinativa, a deputada combativa, em tempos delicados de getulismo.
Casada pela segunda vez com Lourival Fontes -diretor-geral do DIP-, era com naturalidade que Adalgisa circulava pelo Palácio do Catete e insultava contundentemente Assis Chateaubriand, em sua coluna do "Última Hora" -espaço, aliás, que ajudou a impulsionar as vendas do jornal de Samuel Wainer em tempos de guerra na imprensa carioca.

Cartas
Tão interessante quanto sua atuação política é a amizade elegante que nutriu por toda a vida com o poeta Murilo Mendes (1901-1975). Belos trechos de correspondência deixam entrever intimidade e afeto não propriamente característicos de "bons amigos", mas o programa termina sabiamente sem esclarecer o que houve entre os dois -deixemos no domínio privado o que a ele pertence.
Com boa atuação de Christiane Torloni e ótimas entrevistas -a curadora Denise Mattar, a escritora Ana Arruda e os dois filhos, Ivan e Emmanuel Nery-, o documentário peca apenas pela dramaticidade exagerada nas cenas reconstituídas, fazendo lembrar, em vários momentos, as pedantes novelas de época da Rede Globo.