São Paulo, domingo, 06 de maio de 2007

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Aos 60, Rita Lee radiografa sua vida e carreira

Cantora paulista lança três DVDs contendo entrevistas, imagens de arquivos e depoimentos de outros artistas

Em entrevista, ela fala sobre feminismo e diz quanto os Mutantes teriam de pagar para ela voltar a fazer show com a banda

THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL

"Sempre achei que meninas boazinhas são chatas. Gosto de nadar contra a maré. Faço questão de manter a minha fama de mal." Essa é Rita Lee, nas primeiras cenas de "Ovelha Negra", um dos três DVDs que a cantora lança nesta semana. Rita Lee está com 60 anos.
Lançou mais de 30 discos, incluindo aí "Ao Vivo" e "Acústico" e os álbuns com as bandas Mutantes e Tutti-Frutti.
Os três DVDs traçam parte da trajetória da cantora paulistana. São divididos tematicamente. "Ovelha Negra" é dedicado aos primeiros anos da carreira de Rita. "Baila Comigo" foca na "vida na estrada", enquanto "Cor de Rosa Choque" relaciona Rita Lee com o feminino. (Os DVDs serão vendidos separadamente ou em caixa.)
O material contém cenas de shows, imagens de arquivo, depoimentos de outros artistas (como Caetano Veloso e Tom Zé) e, principalmente, entrevistas com Rita Lee, em que a autora de "Lança Perfume" fala sobre Mutantes (veja texto nesta página), tropicalismo, ditadura ("Que ditadura que nada... Eu vou é tomar um ácido")... Por e-mail, Rita Lee concedeu entrevista à Folha.  

FOLHA - Você é considerada uma pessoa versátil, não apenas como cantora, mas como artista. O que vem pela frente (está escrevendo livro, certo?)? Falta algo que queira fazer? Com tudo por que já passou, se arrepende de algo?
RITA LEE
- Para fazer o que tenho na cabeça, precisaria de mais 60 anos. Escrevi um livro faz um tempo, mas ainda tenho dúvidas se vou publicá-lo, é uma literatura inútil demais. Até hoje me arrependo de ter participado do primeiro Rock in Rio, em 85.

FOLHA - Você diz: "Roqueiro no meu tempo era oposição, hoje é situação". Esse é um problema da geração roqueira de hoje ou é algo mais amplo, intrínseco ao próprio mundo atual? O que seria ser transgressor hoje em dia?
RITA
- Roqueiros de hoje não têm cara de bandido, como tinham no meu tempo. A geração flower power, que hoje está infiltrada nos governos, tem a cara-de-pau de votar a favor do armamento e jura que nunca fumou maconha. Se aparecesse um novo Garrincha, certamente iria passar batido pelos clubes estrangeiros porque não apresentaria um perfil de beleza para vender produtos esportivos. Transgressor mesmo é um eremita que vive na caverna e se alimenta de sementes.

FOLHA - A música brasileira está conseguindo se renovar bem? Que artistas mais te chamam a atenção?
RITA
- Sempre teve muita coisa boa e muita coisa chata rolando nos salões da nossa querida música brasileira. Hoje em dia existem muitos artistas-relâmpago, aqueles que mal acendeu, já apagou, então eu decidi que só vou começar a me interessar por um artista se ele sobreviver ao terceiro trabalho. Uma banda de rock é cult até começar a fazer sucesso, depois neguinho já torce o nariz... Eu sou fã do Charlie Brown Jr.

FOLHA - Além de morar em São Paulo, por toda a sua carreira sua imagem sempre foi muito ligada à cidade. A São Paulo sem outdoors está melhor do que a São Paulo de "Ovelha Negra"? Como melhorar a vida na cidade?
RITA
- Vamos combinar que nossa querida São Paulo está bem mais jeitosinha sem aquelas assombrações de reclames que infestavam a cidade. Ah, se eu fosse milionária, comprava uma tonelada de sprays e pagava um bando de grafiteiros para colorir a cidade. São Paulo tem os melhores grafiteiros do planeta.

FOLHA - Uma pergunta sobre os Mutantes é inevitável. Você, até um tempo atrás, se mostrava reticente quanto ao retorno da banda e não topou se juntar ao grupo. Você viu as apresentações da banda? O que achou? Há alguma possibilidade de fazer algum show com eles?
RITA
- Não vi nada e não pretendo fazer nenhum show com eles... Mas, se me pagarem 1000000000000000000000 00 zilhões de euros, até posso considerar a idéia.

FOLHA - Os Mutantes entraram com pedido de incentivo fiscal para realizarem uma turnê pelo país. Acha correto que esse tipo de incentivo seja usado para artistas gravarem CDs e realizarem turnês?
RITA
- Incentivo a gente dá para quem está começando. Acho bastante injusto artistas conhecidos se beneficiarem disso. [Procurados pela Folha, os Mutantes não quiseram falar sobre o assunto.]

FOLHA - Como avalia a gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura?
RITA
- Gil é danado em tudo o que faz e no Ministério da Cultura não está sendo diferente.

FOLHA - Como você mesmo conta, quando garota, em vez de brincar com bonecas, gostava de andar de carrinho de rolimã. Depois, fez parte de uma banda de rock. Em seguida, virou cantora-solo e mãe. Agora, é avó. Hoje a menina que brinca de carrinho de rolimã ou a adolescente que faz parte de banda de rock é tão "ovelha negra" quanto você foi anos atrás? A sociedade brasileira está menos machista?
RITA
- Nos anos 60, havia um monte de razões para as mulheres queimarem seus sutiãs no meio da rua. De lá para cá, o discurso feminista foi virando um porre. Daqui pra frente eu sempre hei de esperar delas menos reclamação e mais ação. Uma coisa que eu ainda não aceito é a mulher ganhar menos do que o homem fazendo o mesmo trabalho.

FOLHA - Em recente entrevista à Folha, Lobão diz que voltou a assinar contrato com uma major porque elas são melhores empresas do que eram anos atrás. O modelo de negócio das grandes gravadoras é nocivo ou benéfico para os artistas?
RITA
- Entendo que Lobão precise pagar suas contas, mas daí a dizer que as grandes gravadoras são melhores empresas hoje do que eram anos atrás é suspeito. As principais majors continuam cheias de vícios antigos, de clonadores de paradas de sucesso, de uma gente que ignora uma meninada que sabe o que quer e não aceita palpite de um produtorzinho "shperto". A Biscoito Fino tem se firmado cada vez mais como uma gravadora mezzo-independente mezzo-mainstream, uma bênção para os contratados.

FOLHA - Se tivesse alguns minutos de conversa com papa, em sua visita ao Brasil, o que falaria para ele?
RITA
- Pediria para ele abolir de vez o uso de peles de animais em algumas vestimentas papais.


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