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Aos 60, Rita Lee radiografa sua vida e carreira
Cantora paulista lança três DVDs contendo entrevistas, imagens de arquivos e depoimentos de outros artistas
Em entrevista, ela fala sobre feminismo e diz quanto os Mutantes teriam de pagar para ela voltar a
fazer show com a banda
THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL
"Sempre achei que meninas
boazinhas são chatas. Gosto de
nadar contra a maré. Faço
questão de manter a minha fama de mal." Essa é Rita Lee, nas
primeiras cenas de "Ovelha Negra", um dos três DVDs que a
cantora lança nesta semana.
Rita Lee está com 60 anos.
Lançou mais de 30 discos, incluindo aí "Ao Vivo" e "Acústico" e os álbuns com as bandas
Mutantes e Tutti-Frutti.
Os três DVDs traçam parte
da trajetória da cantora paulistana. São divididos tematicamente. "Ovelha Negra" é dedicado aos primeiros anos da carreira de Rita. "Baila Comigo"
foca na "vida na estrada", enquanto "Cor de Rosa Choque"
relaciona Rita Lee com o feminino. (Os DVDs serão vendidos
separadamente ou em caixa.)
O material contém cenas de
shows, imagens de arquivo, depoimentos de outros artistas
(como Caetano Veloso e Tom
Zé) e, principalmente, entrevistas com Rita Lee, em que a
autora de "Lança Perfume" fala
sobre Mutantes (veja texto nesta página), tropicalismo, ditadura ("Que ditadura que nada...
Eu vou é tomar um ácido")...
Por e-mail, Rita Lee concedeu entrevista à Folha.
FOLHA - Você é considerada uma
pessoa versátil, não apenas como
cantora, mas como artista. O que
vem pela frente (está escrevendo livro, certo?)? Falta algo que queira
fazer? Com tudo por que já passou,
se arrepende de algo?
RITA LEE - Para fazer o que tenho na cabeça, precisaria de
mais 60 anos. Escrevi um livro
faz um tempo, mas ainda tenho
dúvidas se vou publicá-lo, é
uma literatura inútil demais.
Até hoje me arrependo de ter
participado do primeiro Rock
in Rio, em 85.
FOLHA - Você diz: "Roqueiro no
meu tempo era oposição, hoje é situação". Esse é um problema da geração roqueira de hoje ou é algo
mais amplo, intrínseco ao próprio
mundo atual? O que seria ser transgressor hoje em dia?
RITA - Roqueiros de hoje não
têm cara de bandido, como tinham no meu tempo. A geração
flower power, que hoje está infiltrada nos governos, tem a cara-de-pau de votar a favor do
armamento e jura que nunca
fumou maconha. Se aparecesse
um novo Garrincha, certamente iria passar batido pelos clubes estrangeiros porque não
apresentaria um perfil de beleza para vender produtos esportivos. Transgressor mesmo é
um eremita que vive na caverna
e se alimenta de sementes.
FOLHA - A música brasileira está
conseguindo se renovar bem? Que
artistas mais te chamam a atenção?
RITA - Sempre teve muita coisa
boa e muita coisa chata rolando
nos salões da nossa querida
música brasileira. Hoje em dia
existem muitos artistas-relâmpago, aqueles que mal acendeu,
já apagou, então eu decidi que
só vou começar a me interessar
por um artista se ele sobreviver
ao terceiro trabalho. Uma banda de rock é cult até começar a
fazer sucesso, depois neguinho
já torce o nariz... Eu sou fã do
Charlie Brown Jr.
FOLHA - Além de morar em São
Paulo, por toda a sua carreira sua
imagem sempre foi muito ligada à
cidade. A São Paulo sem outdoors
está melhor do que a São Paulo de
"Ovelha Negra"? Como melhorar a
vida na cidade?
RITA - Vamos combinar que
nossa querida São Paulo está
bem mais jeitosinha sem aquelas assombrações de reclames
que infestavam a cidade. Ah, se
eu fosse milionária, comprava
uma tonelada de sprays e pagava um bando de grafiteiros para
colorir a cidade. São Paulo tem
os melhores grafiteiros do planeta.
FOLHA - Uma pergunta sobre os
Mutantes é inevitável. Você, até um
tempo atrás, se mostrava reticente
quanto ao retorno da banda e não
topou se juntar ao grupo. Você viu
as apresentações da banda? O que
achou? Há alguma possibilidade de
fazer algum show com eles?
RITA - Não vi nada e não pretendo fazer nenhum show com
eles... Mas, se me pagarem
1000000000000000000000
00 zilhões de euros, até posso
considerar a idéia.
FOLHA - Os Mutantes entraram
com pedido de incentivo fiscal para
realizarem uma turnê pelo país.
Acha correto que esse tipo de incentivo seja usado para artistas gravarem CDs e realizarem turnês?
RITA - Incentivo a gente dá para quem está começando. Acho
bastante injusto artistas conhecidos se beneficiarem disso. [Procurados pela Folha, os
Mutantes não quiseram falar
sobre o assunto.]
FOLHA - Como avalia a gestão de
Gilberto Gil no Ministério da Cultura?
RITA - Gil é danado em tudo o
que faz e no Ministério da Cultura não está sendo diferente.
FOLHA - Como você mesmo conta,
quando garota, em vez de brincar
com bonecas, gostava de andar de
carrinho de rolimã. Depois, fez parte
de uma banda de rock. Em seguida,
virou cantora-solo e mãe. Agora, é
avó. Hoje a menina que brinca de
carrinho de rolimã ou a adolescente
que faz parte de banda de rock é tão
"ovelha negra" quanto você foi
anos atrás? A sociedade brasileira
está menos machista?
RITA - Nos anos 60, havia um
monte de razões para as mulheres queimarem seus sutiãs no
meio da rua. De lá para cá, o discurso feminista foi virando um
porre. Daqui pra frente eu sempre hei de esperar delas menos
reclamação e mais ação. Uma
coisa que eu ainda não aceito é
a mulher ganhar menos do que
o homem fazendo o mesmo trabalho.
FOLHA - Em recente entrevista à
Folha, Lobão diz que voltou a assinar
contrato com uma major porque
elas são melhores empresas do que
eram anos atrás. O modelo de negócio das grandes gravadoras é nocivo
ou benéfico para os artistas?
RITA - Entendo que Lobão precise pagar suas contas, mas daí
a dizer que as grandes gravadoras são melhores empresas hoje do que eram anos atrás é suspeito. As principais majors
continuam cheias de vícios antigos, de clonadores de paradas
de sucesso, de uma gente que
ignora uma meninada que sabe
o que quer e não aceita palpite
de um produtorzinho "shperto". A Biscoito Fino tem se firmado cada vez mais como uma
gravadora mezzo-independente mezzo-mainstream, uma
bênção para os contratados.
FOLHA - Se tivesse alguns minutos
de conversa com papa, em sua visita
ao Brasil, o que falaria para ele?
RITA - Pediria para ele abolir de
vez o uso de peles de animais
em algumas vestimentas papais.
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