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ANÁLISE
Psicologia e sociologia como grande literatura
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
"O Som e a Fúria", que colocou William Faulkner na
linha de frente da literatura americana, é o segundo romance da
formidável coleção composta por
13 livros em que o autor dissecou
a decadência da região sul dos Estados Unidos, todos ambientados
no fictício condado de Yoknapatawpha, e que pode ser considerado como a sua principal obra-prima, pela qualidade do texto, originalidade da forma e densidade do
conteúdo.
Foi com esse trabalho, de 1929
-a principal reedição que a Cosac & Naif prepara de sua obra-,
que o jovem de 32 anos começou
a chamar a atenção no cenário artístico de seu país. Críticos ficaram eletrizados com o método
narrativo: a história da família
Compson é contada por meio da
interpretação de três filhos e da
empregada do casal Jason e Caroline. São quatro seções, passadas
em épocas diferentes, entre os
anos de 1910 e 1928.
Embora a ambientação se afaste
até a Costa Leste dos Estados Unidos, onde um dos personagens
centrais viveu, toda a ação se concentra na casa de Compson, no
Estado do Mississippi, onde o clã
vê seus dias de glória se acabarem.
Cada uma dessas seções tem características próprias. A primeira,
de Benjy, deficiente mental, é o relato de "quem é capaz apenas de
contar o que aconteceu, mas não
de entender por quê", na definição do próprio Faulkner. Benjy
representa a deterioração mental
da família, mas revela uma percepção delicada, ingênua, infantil
e talvez por isso lúcida da tragédia
à sua volta.
Proust
Há uma influência proustiana
nessa parte do livro, com a frequente associação que Benjy faz
do cheiro das árvores com as desventuras da irmã, Caddy, sua
grande paixão. A segunda seção,
que se passa 18 anos antes da de
Benjy, é a de Quentin, outro irmão apaixonado por Caddy, que
se suicida após o casamento dela
com um homem que ele desprezava.
Angustiado porque a família
vendera boa parte de suas propriedades para pagar seus estudos
em Harvard, Quentin se debate
com os sentimentos de culpa até
escolher a morte. Impressionante
pelo lirismo, essa parte de "O Som
e a Fúria" revela uma grande influência da escrita do irlandês James Joyce.
Depois, vem o irmão que permanece em casa, Jason. O tema de
Benjy é a inocência, o de Quentin,
o desespero, e o de Jason, o ódio.
Agressivo, egoísta, Jason materializa a transformação do orgulho
da família em mera vaidade. Esse
personagem medíocre ganha extraordinária grandeza graças à intensidade de seus sentimentos
descrita por Faulkner.
O livro se encerra com a versão
das desgraças familiares feita por
Dilsey, a empregada negra que se
torna o último fio de união dos integrantes do esfacelado clã. Ela é o
que resta de humano naquele palacete. Com sabedoria e compaixão, ela assiste os frágeis e resiste
ao único forte, mas despótico
membros da família.
"O Som e a Fúria" não é um romance fácil de ser lido. Mas trata-se de um dos mais fascinantes trabalhos da literatura do século 20,
que faz a junção de perfis psicológicos de grande riqueza a sutis,
mas profundos toques de sociologia numa sintaxe precisa e complexa.
O jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor Econômico"
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