São Paulo, sábado, 06 de julho de 2002

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ANÁLISE

Psicologia e sociologia como grande literatura

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

"O Som e a Fúria", que colocou William Faulkner na linha de frente da literatura americana, é o segundo romance da formidável coleção composta por 13 livros em que o autor dissecou a decadência da região sul dos Estados Unidos, todos ambientados no fictício condado de Yoknapatawpha, e que pode ser considerado como a sua principal obra-prima, pela qualidade do texto, originalidade da forma e densidade do conteúdo.
Foi com esse trabalho, de 1929 -a principal reedição que a Cosac & Naif prepara de sua obra-, que o jovem de 32 anos começou a chamar a atenção no cenário artístico de seu país. Críticos ficaram eletrizados com o método narrativo: a história da família Compson é contada por meio da interpretação de três filhos e da empregada do casal Jason e Caroline. São quatro seções, passadas em épocas diferentes, entre os anos de 1910 e 1928.
Embora a ambientação se afaste até a Costa Leste dos Estados Unidos, onde um dos personagens centrais viveu, toda a ação se concentra na casa de Compson, no Estado do Mississippi, onde o clã vê seus dias de glória se acabarem.
Cada uma dessas seções tem características próprias. A primeira, de Benjy, deficiente mental, é o relato de "quem é capaz apenas de contar o que aconteceu, mas não de entender por quê", na definição do próprio Faulkner. Benjy representa a deterioração mental da família, mas revela uma percepção delicada, ingênua, infantil e talvez por isso lúcida da tragédia à sua volta.

Proust
Há uma influência proustiana nessa parte do livro, com a frequente associação que Benjy faz do cheiro das árvores com as desventuras da irmã, Caddy, sua grande paixão. A segunda seção, que se passa 18 anos antes da de Benjy, é a de Quentin, outro irmão apaixonado por Caddy, que se suicida após o casamento dela com um homem que ele desprezava.
Angustiado porque a família vendera boa parte de suas propriedades para pagar seus estudos em Harvard, Quentin se debate com os sentimentos de culpa até escolher a morte. Impressionante pelo lirismo, essa parte de "O Som e a Fúria" revela uma grande influência da escrita do irlandês James Joyce.
Depois, vem o irmão que permanece em casa, Jason. O tema de Benjy é a inocência, o de Quentin, o desespero, e o de Jason, o ódio. Agressivo, egoísta, Jason materializa a transformação do orgulho da família em mera vaidade. Esse personagem medíocre ganha extraordinária grandeza graças à intensidade de seus sentimentos descrita por Faulkner.
O livro se encerra com a versão das desgraças familiares feita por Dilsey, a empregada negra que se torna o último fio de união dos integrantes do esfacelado clã. Ela é o que resta de humano naquele palacete. Com sabedoria e compaixão, ela assiste os frágeis e resiste ao único forte, mas despótico membros da família.
"O Som e a Fúria" não é um romance fácil de ser lido. Mas trata-se de um dos mais fascinantes trabalhos da literatura do século 20, que faz a junção de perfis psicológicos de grande riqueza a sutis, mas profundos toques de sociologia numa sintaxe precisa e complexa.


O jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor Econômico"



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