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"NADA MAIS QUE A VERDADE"
Respeito aos mortos
SUZANA SINGER
DIRETORA DE REVISTAS DA FOLHA
Escrito por um quarteto de
jornalistas recém-formados,
o livro "Nada Mais que a Verdade" conta a "extraordinária história do "Notícias Populares'", como
define o seu subtítulo.
Fruto de uma pesquisa extensa
-que incluiu 52 entrevistas com
todos os editores-chefes vivos do
jornal e com figuras tão díspares
quanto o publisher Octavio Frias
de Oliveira e o apresentador Ratinho-, a obra recupera a saga de
uma peça polêmica, mas de grande importância na história da imprensa no Brasil.
É fácil e divertido percorrer, pelas 280 páginas, a trajetória do jornal que, "espremido, pinga sangue", como diziam seus desafetos.
Impossível manter-se indiferente
a manchetes como "Broxa torra o
pênis na tomada", "Mulher mais
bonita do Brasil é homem" ou "A
morte não usa calcinha".
Ou não se interessar pela origem de fantasmas que povoaram
a infância de quem tem pelo menos 35 anos, como o bebê-diabo e
a loira do banheiro (para os curiosos: o primeiro foi fruto da criatividade de um repórter, em pleno
sucesso de "O Exorcista", cujo
único lastro com a realidade era o
nascimento de um bebê com prolongamento de cóccix e duas pequenas saliências na testa; o segundo foi uma invenção da redação, criada a partir de uma foto
desfocada de uma funcionária do
jornal, em um dia especialmente
sem notícias).
O livro reserva ainda outras
boas revelações, como a aposta
precoce que o "NP" fez na jovem
guarda, o fato de ter sido o primeiro a ter uma coluna dedicada
ao público gay, a informação de
que nunca existiu a manchete
"Violada em pleno auditório"
-quando Sergio Ricardo quebrou seu violão no palco em
1967-, além da identidade do colunista Voltaire de Souza (nesse
caso, os curiosos terão de comprar o livro).
"Nada Mais que a Verdade" não
é, porém, apenas um rosário de
histórias curiosas. O livro narra
em detalhes o nascimento do jornal, em 1963, como um projeto
político -o de criar um diário
que fizesse frente ao "Última Hora", de Samuel Wainer, e ajudasse
a conter a "ameaça comunista" de
João Goulart- e acompanha de
perto sua trajetória, até o fechamento no ano passado.
Os autores mostram que, passado o "perigo vermelho", o "NP"
deixou de lado a política e intensificou a busca por um público carente e semi-escolarizado, mas
ciente do que quer. Vivendo apenas da venda em banca, o "NP"
precisou mais do que outros veículos entender o seu leitor. Foram
muitos altos e baixos em 37 anos
de existência, nos quais a fórmula
crime+sexo+sobrenatural+economia popular era testada em pitadas diferentes, dependendo da
situação do país e das convicções
do editor-chefe.
Um dos méritos de "Nada Mais
que a Verdade" é não cair na esparrela de que é fácil fazer jornal
popular. Não basta empilhar cadáveres ao lado de fotos de mulheres nuas e, de quando em
quando, inventar aberrações. O
bebê-diabo foi um estrondo, mas
sua sucessora, Guta, a garota com
poderes cósmicos, não emplacou.
Quando a crise econômica aperta,
uma chamada sobre caderneta de
poupança pode vender mais que
um "churrasco de vagina no rodízio do sexo".
Para quem vive de jornalismo, é
fácil empolgar-se com o finado
"NP": um jornal gauche, sem manuais nem compromisso com faturamento publicitário, autoproclamada "voz dos oprimidos", vítima várias vezes da censura, tocado por equipes aguerridas e que
tinham liberdade de levar à capa
um assunto que merecia apenas
cinco linhas ou de escrever uma
manchete de fazer inveja a publicitários premiados.
Quem não gostaria de, pelo menos uma vez na vida, jogar às favas a cobertura tradicional de
uma F-1 e mandar Zé do Caixão
entrevistar Michael Schumacher?
Ou de trocar longos editoriais pela foto de um manifestante segurando cartaz com os dizeres "pau
no cu do Collor"? Ou ainda fazer
de um mendigo feio o símbolo sexual da cidade (o "Pelezão", seduzido por uma psicóloga enquanto
esperava o sopão no Cetren)?
Com um objeto de pesquisa tão
sedutor, os autores não resistiram: apaixonaram-se e sucumbiram a um romantismo que beira a
ingenuidade em vários momentos. Não surpreende que Celso de
Campos Jr., Denis Moreira, Giancarlo Lepiani e Maik Rene Lima
tenham se rendido aos encantos.
Acompanhei de perto vários
jornalistas talentosos que se mudaram relutantes para a redação
do quinto andar (onde ficava o
"NP") e, em pouco tempo, defendiam o jornal com uma convicção
poucas vezes vista, por exemplo,
na prestigiosa Folha.
O fascínio, porém, compromete
o livro e dá à narrativa um tom lacrimoso que não faz jus ao esforço
de pesquisa. Enquanto as gestões
de Jean Mellé, fundador do jornal,
e Ebrahim Ramadan (1972-90)
são reverenciadas, o ocaso é identificado com o momento em que a
direção da Folha decide impor
novos dirigentes (e diretrizes) ao
irmão pobre e rebelde.
A boa vontade dos autores parece ir diminuindo à medida que os
editores da chamada "escola Folha" se sucedem. Mesmo fazendo
ressalvas a coberturas de sucesso,
como a morte do Mamonas Assassinas e o massacre do Carandiru, o tom geral é de desconfiança.
O episódio do fechamento do
jornal é descrito como uma "emboscada" e uma "execução a sangue-frio". Baseados em sabe-se lá
qual pesquisa, os autores decretam que, "se bem trabalhada, a
flama do "NP" ainda tem potencial
para conduzir o periódico mais
uma vez ao topo do mercado editorial popular" e lamentam que
ela esteja sepultada nas "catacumbas da Barão de Limeira".
Não se trata de negar as circunstâncias que envolveram o traumático fechamento do título -a
redação sendo avisada somente
depois da última edição, por
exemplo-, mas de esperar alguma reflexão sobre o ocorrido.
Nem ao menos se discute o argumento, presente no editorial de
despedida do "NP", de que a proliferação dos programas populares de TV esvaziou o sentido desse
tipo de jornalismo em papel.
Se, como dizem os autores, "aos
velhos e fiéis leitores do "NP" a
lembrança é tudo o que resta", vale a pena que essa história seja revista com menos comoção. Quem
começa em jornalismo aprende
logo que objetividade não existe.
Mas isso não exime o jornalista da
obrigação de tentar ser o mais
isento possível. Mesmo quando o
objeto é tão arrebatador quanto
um "Notícias Populares".
Nada Mais que a Verdade
Autor: Celso de Campos Jr., Denis
Moreira, Giancarlo Lepiani, Maik Rene
Lima
Editora: Carrenho Editorial
Quanto: R$ 32 (280 págs.)
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