São Paulo, domingo, 06 de julho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ironia de Vallejo rouba cena de Nooteboom

Em uma das mesas mais concorridas de ontem, holandês comenta a trama de livro enquanto colombiano alfineta Lula

Em mesa dividida com Contardo Calligaris, Alessandro Baricco diz que ficção serve "para deixar feliz quem a escreve"

MARCOS STRECKER
EDUARDO SIMÕES

ENVIADOS ESPECIAIS A PARATY

Foi difícil para o escritor holandês Cees Nooteboom concorrer com as tiradas irônicas e boutades do escritor colombiano Fernando Vallejo na sexta edição da Festa Literária Internacional de Paraty. Os dois participaram da mesa "Paraíso Perdido", uma das mais concorridas até a noite de ontem.
Depois de Nooteboom e Vallejo lerem trechos de seus livros "Paraíso Perdido" e "Despenhadeiro", respectivamente, o holandês comentou a trama de seu livro, que descreve a cultura dos aborígenes australianos e tem duas personagens brasileiras. Já Vallejo, famoso por suas postura iconoclasta e anti-religiosa, começou dizendo que não ia falar mal de ninguém, "nem do papa nem de futebol nem do presidente".
Mas emendou: "Afinal, lá fora, na Flipinha, há milhares de estudantes felizes. O presidente Lula já acabou com a fome das crianças. Ele vai brevemente tirar dos dicionários a palavra desnutrição".
A mesa continuou nesse tom até o final, com o holandês descrevendo seu processo criativo, explicando sua literatura inspirada em viagens e, ocasionalmente, elogiando o colombiano, que precisou várias vezes explicar por que fazia uma literatura "raivosa".

Baricco e Contardo
Na mesa "Fábulas Italianas", Alessandro Baricco falou das influências que sua literatura sofreu do pop e do rock'n'roll. Para o escritor italiano, cujo recém-lançado "Sem Sangue" não identifica onde a ação se passa, "as histórias se apóiam em um mundo que pertence à mente, e não a um lugar físico".
Também integrando a mesa, o psicanalista Contardo Calligaris, colunista da Folha, comentou como foi importante descrever detalhadamente a Itália em seu romance recém-lançado, "O Conto do Amor".
"A ambientação lá teve uma função subjetiva de redescobrir o país, de onde fugi há 40 anos", disse.
Instigado por alguém na platéia a dizer para que serve a ficção, Baricco disse que serve "em grande parte, para deixar feliz quem a escreve". Já Contardo acredita que ela "tem a função de enriquecer a ficção da nossa vida".
Contardo falou ainda como sua escrita foi afetada por sua relação com Roland Barthes. "Era uma pessoa deliciosa, foi quem mais me influenciou, porque era amigo muito próximo, e por conta de sua aspiração a ser escritor de ficção."

Literatura africana
Participando da mesa "Guerra e Paz", o escritor Pepetela afirmou que tinha orgulho de seu passado de guerrilheiro, de "ter participado da guerra pela libertação de Angola". Ele debateu com a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, que está lançando "Meio Sol Amarelo", romance épico já traduzido em 27 línguas que tem como pano de fundo a Guerra da Biafra.
O autor angolano, que já venceu o prestigioso Prêmio Camões, leu trecho de "Predadores", em que personagens mostram influência de Jorge Amado. Chimamanda defendeu a boa escrita. Disse que os escritores devem ter liberdade para escolher seus temas ("tenho amigos que não se interessam por política e isso é ótimo") e afirmou que queria contar os pequenos dramas humanos, já que "as pessoas continuam se casando e tendo filhos mesmo durante a guerra". Segundo ela, "o general por dentro continua sendo um menino".


Texto Anterior: Fotografia: Último dia de "O Japão de Descamps e Desprez"
Próximo Texto: "Escritor é personagem em extinção"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.