São Paulo, sábado, 06 de agosto de 2011

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CRÍTICA HISTÓRIA

Livro pioneiro do historiador Schwartz ganha nova edição

Estudo de 1973 aponta as contradições da burocracia no Brasil colonial

RONALDO VAINFAS
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial" é livro datado de 1973, na versão inglesa, e traduzido para o português em 1979.
Integra a vasta obra do historiador Stuart B. Schwartz, especialista na história ibero-americana, em particular a luso-brasileira.
Entre seus livros encontram-se "Segredos Internos" (1988) -obra sobre a economia e a sociedade escravistas na Bahia colonial- e o recente "Cada um na Sua Lei" (2009), sobre a tolerância religiosa no mundo ibérico.
O livro em causa permanece incrivelmente atual após 40 anos. Diria mesmo que se rejuvenesceu, pois, nos anos 70, os estudos sobre o período colonial no Brasil privilegiavam as interpretações gerais de tipo socioeconômico.
Na vanguarda das discussões destacava-se a polêmica que opunha a teoria dos modos de produção coloniais (Ciro Cardoso, Jacob Gorender) à do antigo sistema colonial (Fernando Novais).
O foco do debate residia em definir o caráter da economia colonial escravista: se integrava um "sistema" cuja lógica era determinada pelo capitalismo comercial europeu ou se possuía uma dinâmica própria, parcialmente autônoma em relação ao exclusivo mercantil metropolitano.
Os estudos vinculados a instituições de governo eram escassos, não raro associados a uma história tradicional.

PROBLEMA INSTIGANTE
Schwartz foi ousado ao lançar seu "Burocracia e Sociedade" naquele contexto, um estudo monográfico sobre o Tribunal da Relação da Bahia -órgão máximo do aparelho judiciário colonial-entre 1609 e 1751.
Desde o início o livro teve boa recepção entre os especialistas, pois o autor imprimiu abordagem muito original ao tema.
Longe de apenas reconstituir a máquina judiciária colonial, Schwartz pôs em causa um problema instigante: o de como uma instituição régia incumbida de arbitrar as disputas e os delitos no foro judicial pôde se adaptar à sociedade colonial.
Uma sociedade baseada na escravidão e naquilo que Gilberto Freyre chamou de "privatismo senhorial", como sistema de poder, face à debilidade das instituições estatais.
O livro de Schwartz foi pioneiro no estudo de uma questão que, somente a partir dos anos 1990, passou a interessar aos pesquisadores.
Em sua tese central, o autor demonstra o "abrasileiramento da burocracia" por meio dos enlaces familiares entre os desembargadores e as elites baianas, comprovando a mescla entre o exercício da alta magistratura e os interesses privados, não obstante os conflitos de praxe.
Estudos mais recentes sobre as instituições de governo na colônia têm realçado a descentralização do poder metropolitano, inspirados no modelo de Antônio Hespanha: um Estado polissinodal vigente no próprio reino.
O livro de Schwartz não embarca nessa viagem. Ainda bem.
Aposta na centralização, embora matize essa tendência, ao reconstituir a fusão entre as elites burocráticas e coloniais -prova cabal da mistura entre o público e o privado nas raízes do Brasil.
RONALDO VAINFAS é professor de história moderna da UFF.

BUROCRACIA E SOCIEDADE NO BRASIL COLONIAL
AUTOR Stuart B. Schwartz
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Berilo Vargas
QUANTO R$ 59,50 (416 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo



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