São Paulo, Sexta-feira, 06 de Agosto de 1999
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CRÍTICA
Caetano está virando o FHC da MPB

SÉRGIO DÁVILA
Editor da Ilustrada

A se tomar por seu show atual, em cartaz no Via Funchal de São Paulo, Caetano Veloso está virando o Fernando Henrique Cardoso da MPB. Vive na arte o mesmo impasse que sua geração experimenta na política: o que fazer, para onde ir?
Embora haja diferença de idade, ambos se agarram a eventos que fizeram sentido nos anos 60 e 70 (a tropicália, no caso de Caetano; a teoria da dependência, no caso de FHC; os dois agora redescobertos pelos gringos, o que dá alento extra à dupla).
Forçando um pouco mais a mão, é possível enxergar na estrutura e nos integrantes do show em questão traços nítidos dos dois mandatos de FHC. Se não, vejamos:
* o show começa com Caetano Veloso no centro; à esquerda de quem olha (mas à sua direita), a percussão, só com componentes negros, fazendo timbalada (é o povão); à direita de quem olha (mas à sua esquerda), os sopros e as cordas, de maioria branca, fazendo jazz de gringos (é a elite);
* os arranjos e a direção são do onipotente Jaques Morelenbaum, para muitos uma associação que "embarrocou" demais a música de Caetano (é o ACM);
* o único hit é "Sozinho", do compositor brega Peninha, que puxou as vendas do último CD para a casa do milhão, fato inédito na carreira de Caetano Veloso (é o Plano Real, o flerte com as classes C e D, o acesso ao consumo);
* no meio da apresentação, CV diz que é bom poder voltar a falar português de novo, depois de tanto tempo falando inglês e francês no giro internacional (é FHC em sua última turnê européia, encantando as platéias com seu poliglotismo academicista);
* a certa altura, CV canta a chicana "Lamento Borincano" (é o flerte com o Mercosul);
* os solos de percussão e os passos de samba acontecem sempre num clima "macumba para turista" (é a Cimeira 99);
* por fim, o bis com "Sozinho": é a reeleição.
A única diferença é a leitura de trechos de "Verdade Tropical", o livro de Caetano: enquanto este implora para que o público não esqueça o que ele escreveu, FHC parece ir no rumo contrário.
Como já disse alguém, a obra de Caetano Veloso é muito maior que a mesquinhez de seus críticos -e é verdade. Mas são estes mesmos críticos que sentem saudade de todo aquele Caetano Veloso que eles ainda não viram.


Avaliação:   




Show: Caetano Veloso Quando: hoje e amanhã, 22h; dom. 20h30 Onde: Via Funchal (r. Funchal, 65, Vila Olímpia, São Paulo, tel. 0/ xx/11/866-2300) Quanto: de R$ 30 a R$ 100 Patrocinador: Nokia



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