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Folha reúne o diretor e o maior escritor albanês, autor da obra em que se baseia o filme
Salles e Kadaré constroem a vingança de "Abril Despedaçado"
Longa de Walter Salles, inspirado em romance de Ismail Kadaré, estréia hoje na disputa em Veneza
ALCINO LEITE NETO
DE PARIS
O Festival de Cinema de Veneza
exibe hoje um dos candidatos
mais fortes ao seu prêmio máximo, o Leão de Ouro. Trata-se do
filme "Abril Despedaçado", dirigido por Walter Salles.
O longa-metragem é inspirado
no romance homônimo do escritor albanês Ismail Kadaré, uma
história trágica envolvendo códigos de vingança e crimes de sangue entre duas famílias.
Na versão de Salles, a vendeta se
passa no interior da Bahia, nos
anos 10. Um conflito ancestral pela posse de terra culmina no drama de Tonho (Rodrigo Santoro),
obrigado pela tradição a vingar a
morte de seu irmão mais velho.
Kadaré é considerado hoje um
dos principais escritores europeus. Nos últimos anos, seu nome
tem aparecido cada vez mais frequentemente entre os candidatos
ao Prêmio Nobel de Literatura.
Sua obra ficcional é toda ela um
esforço de compreensão e universalização da história e do presente
albaneses. É também um ensaísta
notável. No Brasil, seus livros têm
sido lançados pela Companhia
das Letras -entre eles, "Abril
Despedaçado".
Por sugestão da Folha, Kadaré,
65, e Walter Salles, 45, se encontraram em Paris para discutir sobre cinema, literatura e as distâncias e proximidades entre o mundo albanês e o brasileiro.
O escritor vive na capital francesa desde 1990. O diretor brasileiro
se encontrava em Paris para finalizar seu filme a tempo de competir na mostra italiana.
A conversa ocorreu no apartamento de Kadaré, antes que o escritor pudesse assistir ao filme, o
que ele fez nesta semana, considerando-o "magnífico" -a reação
do escritor, já em Veneza, está à
pág. E-3. Seu entusiasmo com a
terceira versão cinematográfica
do romance o levou a embarcar
para o festival, onde participa da
première oficial e do debate sobre
"Abril Despedaçado".
Folha - É a terceira vez que o seu
romance, de 1978, ganha uma versão para o cinema.
Ismail Kadaré - A relação do cinema com a literatura é muito difícil. Eles funcionam diferentemente. Na literatura, cada um lerá
o seu "Hamlet", mas, no cinema,
o filme existe de maneira objetiva,
fora de você mesmo, e é impossível que cada um veja um "Hamlet" diferente. Assim, quando dou
algo ao cinema, eu renuncio a julgar. Dei o livro para que pudesse
renascer em outra arte, em outro
espírito e país.
Walter Salles - Na condição de
realizador, o que eu tento fazer é
respeitar a força do livro, a impressão que me atingiu num primeiro momento, e retransmiti-la
de um ponto de vista cinematográfico. Mas os filmes nunca são
tão bons como os livros, sobretudo se os livros são tão bons como
"Abril Despedaçado".
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