São Paulo, quinta-feira, 06 de setembro de 2001

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ARTES PLÁSTICAS

Mostra no Rio traz produção dos anos 60, com 21 inventores da arte contemporânea

Os primeiros pós-modernos

RODRIGO MOURA
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

De um lado da galeria, o terno cinzento, de feltro, áspero e soturno, pendurado na parede a uma altura quase inacessível; do outro, capas coloridas, de tecidos leves e translúcidos, repousadas sobre um cabide do qual devem ser retiradas e vestidas pelo espectador.
O diálogo entre o "Terno de Feltro" (1970), do alemão Joseph Beuys (1921-1986), e os "Parangolés" (1964), do carioca Hélio Oiticica (1937-1980), dá a eloquente medida do que a curadora tcheca Milena Kalinovska pretendeu com suas escolhas para a exposição "Além dos Preconceitos - A Experiência dos Anos 60", que faz sua primeira escala em território nacional hoje, no Paço Imperial, no Rio de Janeiro, depois de ter sido vista em Praga, Varsóvia e Buenos Aires (a mostra virá ao MAM-SP em janeiro próximo).
A curadoria enfoca a produção dos anos 60 em quatro pólos geográficos -Leste Europeu e Europa Ocidental, América do Norte e do Sul- para mostrar como novas poéticas visuais surgiram nesses locais, de maneira mais ou menos assimétrica, mas tocando objetivos parecidos.
É o momento em que, como anuncia o crítico brasileiro Mário Pedrosa, em 1966: "Não há mais lugar (...) para a arte moderna, com suas exigências de qualidade e não-ambiguidade. Uma arte pós-moderna inicia-se".
Obras essenciais entre os "primeiros pós-modernos", como as de Oiticica e Lygia Clark (1921-1988), estão em sintonia, esvaziando o caráter "sacro" do objeto de arte ao considerar que experiências no campo da ação (como os "Parangolés", que, infelizmente, não poderão ser manipulados) alcançam status de arte.
Outros ramos da genealogia da arte contemporânea presentes na mostra: Sol Lewitt, Piero Manzoni, Bruce Nauman, Eva Hesse, Ilya Kabakov, Marcel Broodthaers -os mais divulgados de uma lista de 21 nomes e 125 obras que inclui artistas menos conhecidos, como o croata Dimitrije Mangelos e a canadense Betty Goodwin, e uma exceção aos critérios geográficos, o japonês On Kawara.
"São trabalhos que guardam grandes afinidades entre si, mas foram feitos, muitas vezes, sem conhecimento uns dos outros", diz Kalinovska. "O Brasil foi um dos centros dessa revolução."
Entre os brasileiros, há ainda Cildo Meireles e Ana Maria Maiolino; o argentino Victor Grippo completa a representação sul-americana. "Naquele momento, fim dos anos 60 e começo dos 70, o artista brasileiro tinha uma situação privilegiada: Hélio e Lygia como solo histórico e uma série de novas coisas internacionais. Para mim, era importante dar um passo à frente", diz Meireles.
Milena Kalinovska, ela própria uma exilada de seu país por 20 anos, enfatiza a importância do contexto político para o florescimento dessas linguagens. "Os anos 60 não foram utopia, mas o resultado de várias situações políticas diferentes e determinantes." Que agora, na elegante curadoria de Kalinovska, se encontram.


ALÉM DOS PRECONCEITOS - A EXPERIÊNCIA DOS ANOS 60 - exposição com obras de 21 artistas plásticos. Curadoria: Milena Kalinovska. Produção: Independent Curators International. Onde: Paço Imperial (pça. 15 de Novembro, 48, Rio, 0/xx/21/2533-4407). Quando: vernissage hoje, às 18h30; até 28/10; de ter. a dom., das 12h às 17h30. Quanto: entrada franca.

O jornalista Rodrigo Moura viajou a convite do Paço Imperial


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