|
Texto Anterior | Índice
CINEMA
Diretor filma longa-metragem sobre médico legista na capital federal e tem retrospectiva de sua obra em São Paulo
Nelson Pereira faz a autópsia de Brasília
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Há que ser gênio ou estúpido
para dizer do próprio filme: "Não
há nenhuma novidade".
Neste caso, é um gênio do cinema, Nelson Pereira dos Santos, 76,
quem chancela com o carimbo da
continuidade seu longa em produção, "Brasília 18%", o seu 20º.
Quase todos os títulos anteriores do diretor estão em retrospectiva que começa hoje, em São Paulo.
A trama do novo filme envolve
um legista que se apaixona por
suposta vítima de assassinato, durante a autópsia. Seu laudo definirá se a mulher (que agora ama) é
de fato a que morreu.
Com esse mote, lembra o diretor, "o cinema americano fez
"Laura" (1944), de Otto Preminger". Porém, "Brasília 18%", ambientado no Distrito Federal, tem
a novidade de incluir a política
brasileira, sua crise atual e a exegese de seus representantes na
história, sempre com a ressalva de
que "qualquer semelhança é pura
coincidência".
As filmagens ocorrem também
no Rio de Janeiro. Num bar da cidade, na noite de sexta passada,
envolvido por sua equipe, o diretor atendeu a Folha.
"Cinema tem uma prática:
quando o dia é muito bom, a gente o fecha com uma happy hour,
para comemorar. Quando o dia
não é bom, a gente faz a mesma
coisa, para esquecer."
Aquele tinha sido um dia bom.
"Estou muito feliz, porque filmei,
mas um pouco culpado, porque
fiz a [atriz] Malu [Mader] esperar
duas horas até a luz ficar pronta,
para filmar um plano. Cinema
ainda é muito capenga." Palavra
de gentleman.
Folha - Como está sendo fazer um
filme sobre um médico legista em
Brasília neste momento?
Nelson Pereira dos Santos - Não
esperava tanto, tanta matéria-prima.
Folha - Cadáveres?
Santos - Ainda bem que ainda
estou em plena produção. Tenho
condições de atualizar o enredo.
Não sei se, na época do lançamento, no ano que vem, ele poderá ser
considerado obsoleto. A velocidade dos fatos relacionados com o
"plot" é tão grande que não dá para acompanhar.
Folha - O filme será uma crônica
ou uma crítica da crise atual?
Santos - Todas as grandes questões da política estão lá como
background de uma grande história de amor. Elas poderão ser
mencionadas, mas sempre com
aquela idéia de que qualquer semelhança é pura coincidência.
Folha - O que houve com o documentário sobre os cem primeiros
dias do governo Lula da Silva que o
sr. dirigiria para a TV francesa?
Santos - Ele morreu antes.
Folha - Quem?
Santos - Era uma encomenda do
canal francês Arte. Aquela coisa
de francês, de fazer os cem dias de
Napoleão. O projeto não prosseguiu, por problemas de produção.
Não pudemos filmar os cem dias
e teríamos de fazer outro roteiro.
Foi muita complicação no meio
do caminho, e eu desisti.
Folha - Sente-se arrependido ou
aliviado de não haver feito o documentário?
Santos - Ai... pois é. Não sei, porque a idéia do projeto tinha um
afastamento que suportaria qualquer caminho que a realidade tivesse seguido.
Era uma visão muito mais afastada, sobre o que hoje, num país
como o nosso, significa o voto popular, um candidato de origem
popular e a relação disso com o
poder tradicionalmente nas mãos
daquilo que se chamaria elite.
Estão usando essa palavra [elite], mas não é isso. Prefiro ficar
com Sérgio Buarque de Hollanda,
que trata das relações oligárquicas
originadas pela família patriarcal.
Folha - O sr. se sente um gênio do
cinema, como apontam os críticos?
Santos - Eu não (risos). O maior
prazer que tenho na vida, não o
único, mas um dos muitos maiores prazeres, é filmar.
Folha - Olhando sua obra em retrospectiva, como a avalia?
Santos - Acho que ela tem a idéia
de fazer do cinema uma forma de
conhecimento do ser brasileiro.
Olhando tudo o que fiz até agora, há sempre essa preocupação
em colocar na tela o comportamento do homem brasileiro na
vida. Mas numa boa, para poder
inclusive familiarizar esse comportamento com o brasileiro que
está vendo o filme e que, muitas
vezes, pensa que o comportamento deve ser imitado, não vivido.
Folha - Buscar a comunicação
com o público é um imperativo do
cinema?
Santos - Acho que sim, mas o
conceito de público tem de ser
pensado. Não é absoluto. Qualquer filme tem sua possibilidade
de público, para o qual foi dirigido ou o que poderá aceitá-lo.
A idéia de público como um dado único é errada. Evidentemente, quem faz um filme está querendo se comunicar. E, no cinema, o interlocutor é coletivo.
Sempre trabalhei para que o
maior número de pessoas possa
entender e curtir meu filme, ter algum ganho vendo-o. Mas o progresso das idéias mercadológicas
no cinema faz parecer que há um
público disponível, esperando.
Na realidade, o público de cinema no Brasil significa a freqüência
em 1.900 salas, com xis cadeiras,
durante 365 dias por ano. Público
é entidade abstrata, inventada.
Texto Anterior: Fernando Bonassi: Os tesoureiros Índice
|