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FERNANDO BONASSI
Os tesoureiros
O tesoureiro deve ser um
homem de pequenos segredos guardados em poderosos cofres blindados. O maior valor de
um tesoureiro, no entanto, não é
o total que esconde ou distribui,
mas a moral que constituí quem
mexe no tesouro de terceiros. A
tesoura de um tesoureiro até pode
ser cega, menos o profissional que
controla esse vespeiro. Um pouco
de razão é necessário quando se
manipula com a emoção que
emana do erário. As somas picam, estimulam, excitam!
Um tesoureiro pode ter tesão
pela moeda corrente, mas não é
recomendável gozar displicentemente com os dons bem bons do
que lhe é estranho. Por outro lado, nada do que é estranho neste
mundo é estrangeiro ao tesoureiro, acostumado às armações, estratagemas e complicações do
mercado financeiro. Acontece
que os vapores que emanam de
certos montantes traiçoeiros podem muito bem deixar um homem podre, ainda que seja de rico. Os pobres não se interessam
por isso, mas o rico que emprega
os serviços do tesoureiro tem sempre uma pulga atrás da orelha
quente. Vê-se constantemente
numa fria: confia num dia o patrimônio amealhado ao primeiro
que aparece com um currículo recomendado ou desconfia de todos
de uma vez, fazendo o papel do
burguês mesquinho que cuida de
tudo sozinho?
Pois é ao tesoureiro que cabe o
mico de sentar no bolso alheio, ficando assim numa posição indelicada e dolorosa. Remexe numa
riqueza enganosa que todos almejam gastar, enquanto ele mesmo ganha um salário que os proprietários desejam arrochar. Ele
avalia a mais valia dessa relação
e se garante guardando documentos profícuos sobre as transações de seus patrões promíscuos.
O tesoureiro afia muito bem
seus argumentos. Avaliza as pistas desses cruzamentos duvidosos, antevendo valetas e buracos
mal cheirosos que é possível evitar, encostar ou encontrar, conforme o progresso de uns e outros
que é preciso ordenar em seus
trânsitos, escândalos ou tráfico de
recursos. Também conhecem como ninguém os financiamentos
que vão e vêm com instrumentos
bancários e burocráticos do além,
fazendo das contas correntes verdadeiras corredeiras inclementes,
ou pirâmides indecentes de felicidade.
Nesses expedientes podem até
mesmo enterrar o rabo preso com
seus faraós empedernidos. Aqueles próprios que posam de maridos das causas em que se espojam
com os dotes que doarão, ou emprestarão, aos deuses. Querem
uma vida eterna de benesses, mas
tudo depende da "finesse" desses
empreiteiros da prosperidade,
pois são os tesoureiros camuflados nos palácios que viabilizam
as orgias e orgasmos mais terrenos dos seus reis entediados.
Mesmo no mais daninho dos
capitalismos os tesoureiros precisam de um mínimo de altruísmo
para fazer funcionar o maquinismo de acumular e desperdiçar, o
que costuma acontecer à sua revelia. Os tesoureiros gostam é de
economizar. Deixar crescer para
depois, quem sabe, um dia... separar, repartir ou apartar. São pães
duros por natureza da incerteza
do futuro nesses fundos de quintal. A coisa vai mal, mas claro que
poderia ser pior... pois se os tesoureiros não são como alguns demônios economistas, têm a sua própria relação mística, ou infernal,
com o dinheiro. Há algo de dramático, poético e patético na missão desses agentes secretos. São
rebeldes sem causa, cueca ou caução. Há tesoureiros que são poetas, anotando nos versos dos boletos os nomes dos eleitos das propinas. Há tesoureiros nas esquinas
conferindo, ou cafetinando, o movimento das meninas. Há tesoureiros nas igrejas, cuidando dos
pudores extraviados, vasos sagrados e dízimos arrancados entre as
preces dos coitados. E que não se
iludam os socialistas! Há tesoureiros até mesmo nos partidos comunistas que execram o espiritismo, que aliás também tem seu tesoureiro, seja para contar fortuna, cortar mau agouro, mal olhado ou mal visto mesmo!
Evidentemente, nem todo tesoureiro é um trambiqueiro, ainda que um tesoureiro ressentido
possa destroçar a reputação de
seu parceiro mais querido. Pois
onde mexe o tesoureiro fica esse
cheiro de que alguma coisa foi lanhada, mordida, rasgada ou vendida... Não se trata de invenção
ou maledicência! A ciência das fofocas e das tesouradas de um cabeleireiro não tem nada a ver
com as facadas e propostas de um
tesoureiro. Enquanto um melhora a aparência externa do cidadão, o outro assegura a existência
interna de sua condição, através
de uma ou outra "contribuição"
em função de interesses que partilham as quadrilhas. Trata-se de
uma estética plástica, onde a beleza da incisão consiste em não
deixar vestígios da operação.
Mesmo o tesoureiro mais esperto
decerto que se parece com um homem comum, que como o comum
dos mortais, quer apenas mais
onde todos podem menos. Não
que sejam pouco criativos, transformadores ou fracos da mente.
Tesoureiros de partidos, por
exemplo, pensam politicamente;
são como esses toureiros valentes
que pegam os bichos nas unhas,
domesticando-os e transformando-os em votos nas urnas!
Tesoureiros não são doleiros necessariamente, mas podem manipular diligentemente os seus cruzeiros, cruzados, euros ou verdadeiros reais falsificados, dependendo dos mercados ou aliados
alienados que quiserem comprar,
costurando acertos e acordos pelas costas ou na frente dos clientes
bem vestidos. Por isso, muito cuidado aqueles desavisados que
têm valores mal explicados com o
fisco. Os tesoureiros afastados,
banidos ou desprezados serão os
últimos à rirem do fiasco dos primeiros desgraçados.
@ - fbonassi@uol.com.br
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