São Paulo, quarta-feira, 06 de setembro de 2006

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Filme inglês mata Bush

Produzido para se assemelhar a um documentário, "Death of a President" filma o assassinato do presidente americano em outubro de 2007

SARAH LYALL
DO "NEW YORK TIMES", EM LONDRES

A data é outubro de 2007, e os Estados Unidos vivem momentos de angústia, conflagrados pela guerra no Iraque e pela inquietação e volatilidade internas. Ao sair de um hotel em Chicago, depois de um discurso e enquanto um imenso comício contra a guerra transcorre nas imediações, o presidente republicano George W. Bush é subitamente assassinado pelos disparos de um franco-atirador.
É dessa maneira que começa "Death of a President" [morte de um presidente], filme que será exibido no Reino Unido em 4 de outubro pelo canal More4 de TV digital -e no 31º Festival de Cinema de Toronto, que começa amanhã. Além de mostrar a morte de um presidente de verdade e no exercício do cargo, o que já seria provocativo, o filme leva a ousadia um passo além, pois foi produzido para se assemelhar a um documentário.
Usando imagens de arquivo e cenas geradas por computador que, por exemplo, emprestam o rosto do presidente ao ator que o interpreta no filme, "Death of a President" não deixa dúvidas quanto ao fato de que a vítima do atentado é Bush, não algum presidente genérico.
"Embora todos conheçamos outros filmes que exibiram assassinatos políticos, eles sempre existiram no reino da fantasia", disse John Beyer, diretor da Mediawatch-UK, que promove campanhas contra o sexo e a violência na TV. "Usar o presidente dos Estados Unidos, a pessoa real, como personagem em uma produção fictícia? Para mim, isso está errado."
A Embaixada dos Estados Unidos em Londres orientou os jornalistas a procurar comentários sobre o assunto junto à Casa Branca, que declarou: "Não dignificaremos essa questão com uma resposta".
Mas Peter Dale, diretor de programação do canal More4, disse que não se trata de um filme sensacionalista ou que advogue o assassinato de Bush.
"A produção combina uma instigante narrativa forense e certos trechos provocantes nos quais os telespectadores são encorajados a pensar em questões que estão além da narrativa", disse Dale. Escrito e dirigido por Gabriel Range, "Death of a President" será exibido em Toronto no domingo. Depois do More4, canal gratuito mas disponível apenas para telespectadores equipados com TVs digitais, o filme passará no Channel 4, uma das principais emissoras de TV do Reino Unido.
Como parte de sua campanha de publicidade, o More4 divulgou um fotograma do filme, mostrando o momento em que Bush é atingido pelo tiro. A imagem, que foi reproduzida extensamente por jornais britânicos, mostra o presidente ferido, caindo nos braços de um assessor, diante de uma multidão chocada e temerosa, em meio a clarões de flashes dos fotógrafos. A imagem lembra fotografias de Robert F. Kennedy no momento em que o senador foi ferido mortalmente, em 1968, e evoca a tentativa de assassinato do presidente Ronald Reagan por John Hinckley, diante do hotel Hilton, em Washington, em 1981.
Dale disse que o foco do filme são os acontecimentos que se seguem ao assassinato, enquanto a mídia noticiosa profere julgamentos apressados. As suspeitas logo se concentram em Jamal Abu Zikri, um homem nascido na Síria. O filme, diz Dale, é "um exame vigoroso das mudanças que vêm ocorrendo nos Estados Unidos" como resultado da política externa adotada pelo país.
"Acredito que os efeitos das guerras que estão sendo conduzidas no Iraque e no Afeganistão se façam sentir de muitas maneiras nas comunidades multirraciais dos Estados Unidos e do Reino Unido, a começar pelo número de soldados que não retornam, e acredito também que as pessoas estejam começando a perguntar quando essas mortes cessarão."

Colapsos
Outro filme produzido pela mesma equipe de Gabriel Range empregava o estilo de documentário simulado para imaginar as ramificações de acontecimentos desastrosos. De 2003, "The Day Britain Stopped" [o dia em que o Reino Unido parou] mostrava o colapso do sistema de transportes britânico, com uma crise que por fim levava à colisão entre um jato e um avião de carga perto do aeroporto de Heathrow.
Por enquanto, poucos britânicos criticaram "Death of a President", provavelmente porque ainda não viram o filme, mas os jornais vêm citando comentários negativos de norte-americanos que vivem no país.
"É uma maneira repulsiva de tratar o chefe de Estado de outro país", disse Eric Staal, do grupo Republicans Abroad in London, ao jornal "Evening Standard". "Nós vimos desde o começo da presidência dele os extremos a que a esquerda política está disposta a atingir para atacá-lo. Esse caso leva os ataques a um novo patamar."
Mas o "Daily Mirror", cuja manchete na sexta-feira era "Bush Detonado", declarou em editorial que, "embora o filme esteja caminhando no fio da navalha em termos de gosto, ainda assim oferece incentivo dramático à reflexão".


Tradução de PAULO MIGLIACCI

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