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LIVROS
Bento Prado lança luz nova sobre Rousseau
Para o autor, concepção inovadora da linguagem unifica a obra do filósofo iluminista
Obra que une lingüística e política foi escrita na França, onde o brasileiro morou no início dos anos 70, sob a supervisão de Foucault
DA REPORTAGEM LOCAL
Na leitura original que faz de
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), Bento Prado Jr. encontra
uma unidade antes questionada na obra e no pensamento do
filósofo iluminista, e transforma um pensador quase secundário para o cânone da história
da filosofia -muitas vezes restrito ao escaninho da política-
em um renovador capital dos
problemas da ontologia, epistemologia e ética.
O pensador suíço aparece,
para Bento Prado, diz Franklin
de Mattos, como uma espécie
de precursor de Friedrich
Nietzsche (1844-1900), ao afirmar a política como anterior à
"vontade de verdade" na determinação das ações e do pensamento humanos.
Essas "descobertas" do filósofo brasileiro só foram possíveis graças a sua afinidade com
autores franceses contemporâneos a ele. A idéia que move a
pesquisa de Bento Prado aparece, no início dos anos 60, num
texto do antropólogo Claude
Lévi-Strauss. O desenvolvimento que dá a ela se parece, no
método, com o trabalho que
Michel Foucault (1926-1984),
um dos mais importantes filósofos do século 20, desenvolvia
na mesma época.
Não à toa, a parte principal da
obra sobre Rousseau foi escrita
por Bento Prado na França, entre 1969 e 1974, sob a supervisão de Foucault, e sua publicação foi desde então constantemente adiada pelo autor. Mais
tarde, ele passaria a usar trechos do texto, acrescidos de parágrafos iniciais especialmente
redigidos na ocasião, como ensaios independentes a serem
apresentados em congressos
ou publicados em revistas.
São esses e outros ensaios e
artigos, talvez a forma de expressão preferida por Bento
Prado, que permitem que Mattos questione a pequena edição
de livros como fator relevante
para a compreensão da personalidade de seu colega.
Apreço pelo texto
"Há quem diga que Bento
não dava importância ao texto
escrito, preferindo as formas
orais de comunicação, mas isso
não é verdade. Tanto que ele escrevia até mesmo as aulas que
dava. Aliás, consta no volume
uma extensa e exaustiva bibliografia de seus artigos e ensaios,
em revistas especializadas e na
imprensa, o que mostra justamente o contrário de um desapreço pelo texto escrito."
Próximo à morte, já doente
(sofria de câncer na laringe),
Bento Prado permitiu que Mattos cuidasse da publicação integral desse trabalho. "Desconheço por que um livro desse
porte ficou inédito tantos
anos", diz o organizador.
O "porte" da obra começa a
aparecer na seguinte idéia. Segundo Bento Prado, Rousseau
desenvolve uma idéia de linguagem absolutamente original, e em tudo estranha àquilo
que seus pares iluministas e outros filósofos até então haviam
pensado. A "força" da linguagem, segundo o suíço, não está
na sua capacidade de "reproduzir" com fidelidade idéias, sentimentos, coisas, mas nos seus
efeitos sobre quem ouve.
A melhor "imitação" que a
linguagem alcança do mundo
está em produzir, no público,
sensações semelhantes àquelas
que ele teria ao se deparar com
as coisas elas mesmas. Em vez
de um modelo "visual", em que
as coisas são reapresentadas
nas palavras, o modelo de
Rousseau é "musical", indireto,
já que as coisas elas mesmas
não são, não podem ser reapresentadas, mas seus efeitos sobre os indivíduos podem ser alcançados pelo discurso.
Se a linguagem é uma "máquina" de efeitos, de relações
interpessoais, a relação entre
quem fala e quem ouve passa a
ser central para a sua compreensão, e os textos não podem existir independentemente de suas circunstâncias. Para
Bento Prado, Rousseau recoloca a política no cerne da linguagem, e isso é uma resposta interessante a um problema específico do século 20.
"A grande originalidade de
seu livro consiste em juntar os
dois grandes paradigmas da
cultura nos anos 60, a lingüística e a política, que em geral, na
época, eram domínios rivais",
afirma Mattos. É na retórica
-na teoria da linguagem de
Rousseau- que Bento Prado
encontrará o princípio unificador de toda a obra do filósofo
iluminista, tanto a teórica como aquela de "ficção", literária.
(RAFAEL CARIELLO)
A RETÓRICA DE ROUSSEAU E
OUTROS ENSAIOS
Autor: Bento Prado Jr.
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 69 (456 págs.)
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