São Paulo, sábado, 06 de setembro de 2008

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LIVROS

Bento Prado lança luz nova sobre Rousseau

Para o autor, concepção inovadora da linguagem unifica a obra do filósofo iluminista

Obra que une lingüística e política foi escrita na França, onde o brasileiro morou no início dos anos 70, sob a supervisão de Foucault


DA REPORTAGEM LOCAL

Na leitura original que faz de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), Bento Prado Jr. encontra uma unidade antes questionada na obra e no pensamento do filósofo iluminista, e transforma um pensador quase secundário para o cânone da história da filosofia -muitas vezes restrito ao escaninho da política- em um renovador capital dos problemas da ontologia, epistemologia e ética. O pensador suíço aparece, para Bento Prado, diz Franklin de Mattos, como uma espécie de precursor de Friedrich Nietzsche (1844-1900), ao afirmar a política como anterior à "vontade de verdade" na determinação das ações e do pensamento humanos. Essas "descobertas" do filósofo brasileiro só foram possíveis graças a sua afinidade com autores franceses contemporâneos a ele. A idéia que move a pesquisa de Bento Prado aparece, no início dos anos 60, num texto do antropólogo Claude Lévi-Strauss. O desenvolvimento que dá a ela se parece, no método, com o trabalho que Michel Foucault (1926-1984), um dos mais importantes filósofos do século 20, desenvolvia na mesma época. Não à toa, a parte principal da obra sobre Rousseau foi escrita por Bento Prado na França, entre 1969 e 1974, sob a supervisão de Foucault, e sua publicação foi desde então constantemente adiada pelo autor. Mais tarde, ele passaria a usar trechos do texto, acrescidos de parágrafos iniciais especialmente redigidos na ocasião, como ensaios independentes a serem apresentados em congressos ou publicados em revistas. São esses e outros ensaios e artigos, talvez a forma de expressão preferida por Bento Prado, que permitem que Mattos questione a pequena edição de livros como fator relevante para a compreensão da personalidade de seu colega.

Apreço pelo texto
"Há quem diga que Bento não dava importância ao texto escrito, preferindo as formas orais de comunicação, mas isso não é verdade. Tanto que ele escrevia até mesmo as aulas que dava. Aliás, consta no volume uma extensa e exaustiva bibliografia de seus artigos e ensaios, em revistas especializadas e na imprensa, o que mostra justamente o contrário de um desapreço pelo texto escrito." Próximo à morte, já doente (sofria de câncer na laringe), Bento Prado permitiu que Mattos cuidasse da publicação integral desse trabalho. "Desconheço por que um livro desse porte ficou inédito tantos anos", diz o organizador. O "porte" da obra começa a aparecer na seguinte idéia. Segundo Bento Prado, Rousseau desenvolve uma idéia de linguagem absolutamente original, e em tudo estranha àquilo que seus pares iluministas e outros filósofos até então haviam pensado. A "força" da linguagem, segundo o suíço, não está na sua capacidade de "reproduzir" com fidelidade idéias, sentimentos, coisas, mas nos seus efeitos sobre quem ouve. A melhor "imitação" que a linguagem alcança do mundo está em produzir, no público, sensações semelhantes àquelas que ele teria ao se deparar com as coisas elas mesmas. Em vez de um modelo "visual", em que as coisas são reapresentadas nas palavras, o modelo de Rousseau é "musical", indireto, já que as coisas elas mesmas não são, não podem ser reapresentadas, mas seus efeitos sobre os indivíduos podem ser alcançados pelo discurso. Se a linguagem é uma "máquina" de efeitos, de relações interpessoais, a relação entre quem fala e quem ouve passa a ser central para a sua compreensão, e os textos não podem existir independentemente de suas circunstâncias. Para Bento Prado, Rousseau recoloca a política no cerne da linguagem, e isso é uma resposta interessante a um problema específico do século 20. "A grande originalidade de seu livro consiste em juntar os dois grandes paradigmas da cultura nos anos 60, a lingüística e a política, que em geral, na época, eram domínios rivais", afirma Mattos. É na retórica -na teoria da linguagem de Rousseau- que Bento Prado encontrará o princípio unificador de toda a obra do filósofo iluminista, tanto a teórica como aquela de "ficção", literária.
(RAFAEL CARIELLO)

A RETÓRICA DE ROUSSEAU E OUTROS ENSAIOS
Autor: Bento Prado Jr.
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 69 (456 págs.)



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