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CINEMA
Filme do holandês faz companhia à comédia pornô bizarra de Russ Meyer na sessão mensal feita por Carlos Reichenbach
"Delírio" de Verhoeven é atração no Cinesesc
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Uma aranha aproveita o braço
de Jesus Cristo para armar a sua
teia. Mais tarde, um rapaz de sunga vermelha, com jeito de modelo
gay, será visto pregado na cruz.
Numa cripta, como se fosse instalação artística, três carcaças de boi
penduradas sobre galões de leite
sangram sem parar. As coisas não
vão acabar bem.
O escritor alcoólatra Gerard Reve (Jeroen Krabbé) decididamente anda vendo coisas demais. Ele é
o protagonista de "O Quarto Homem" (Holanda, 1983), delirante
filme de Paul Verhoeven que passa hoje no Cinesesc, com legendas
em inglês, na quarta edição da
"Sessão Dupla do Comodoro".
Sessão dupla? É que depois de
"O Quarto Homem" será exibida
(e bota exibida nisso) a superlativa comédia pornô "No Vale das
Deusas Acromegálicas" (Beneath
the Valley of the Ultravixens,
EUA, 1979), com legendas em
francês, do mestre bizarro Russ
Meyer, morto no mês passado aos
82 anos.
Uma cidadezinha horrenda do
Texas concentra quantidades industriais de mulheres insaciáveis,
dotadas de peitos que parecem
bolas de basquete (daí o duvidoso
"acromegálicas" do título em português). Elas partem para o sexo
bruto com um selecionado elenco
de panacas: há o nazista que não
tira o keds branco de cano alto
quando transa num caixão de defunto, o bigodudo vendedor de
lingerie a domicílio, o dono de
desmanche de carros às voltas
com a funcionária peso-pesado.
Visualmente o filme de Meyer é
tão sutil quanto uma betoneira na
banguela, e o espectador que encarar sem susto as aventuras de
"supercachorras" ("supervixen")
como Eufaula Roop e Lola Langusta está pronto para conhecer
as confissões sexuais de Hulk e de
Godzilla.
Para além do trash, contudo,
um espírito corrosivo e frenético
anima essa produção. Uma espécie de narrador televisivo apresenta as personagens e os lugares
do filme, como se tudo fosse lindo
e tipicamente americano. O depósito de carros enferrujados é descrito de forma épica: "O ferro-velho de hoje será o foguete de amanhã". O dono do desmanche é
promovido a "campeão da livre
iniciativa". Uma rádio religiosa
promove, digamos, a "elevação"
de ouvintes. O deboche é total.
Já "O Quarto Homem", de Paul
Verhoeven, pode ser assistido a
sério. Pertence à família dos filmes esquisitos, agourentos, próximos do pesadelo, como "Gêmeos - Mórbida Semelhança", de
David Cronenberg, "Barton
Fink", de Joel Coen, ou "Cidade
dos Sonhos", de David Lynch.
Uma série de imagens perturbadoras -olhos saindo das órbitas,
hotéis sinistros, agentes funerários sorridentes de cartola- ocupa a tela, sem economia de tons
vermelhos e música soturna.
O protagonista, às voltas com
desejos homossexuais, premonições tétricas e culpa católica, envolve-se com uma viúva de ares
aracnídeos. O diretor Paul Verhoeven, que logo depois desse filme iria para Hollywood realizar
longas de ficção científica como
"Robocop" e "Tropas Estelares",
sabe que o futuro não prenuncia
nada de bom. Desse ponto de vista, "O Vale das Deusas Acromegálicas" pode até proporcionar um
fim de noite mais animador.
SESSÃO DUPLA COMODORO. Onde:
Cinesesc (r. Augusta, 2.075, São Paulo,
tel. 0/xx/11/3082-0213). Quando: hoje,
às 21h30. Quanto: grátis (retirar senha às
21h). Filmes: "O Quarto Homem"
(Holanda, 1983), de Paul Verhoeven.
Legendas em inglês; "No Vale das Deusas
Acromegálicas" (EUA, 1979), de Russ
Meyer. Legendas em francês.
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