São Paulo, quarta-feira, 06 de outubro de 2004

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CINEMA

Filme do holandês faz companhia à comédia pornô bizarra de Russ Meyer na sessão mensal feita por Carlos Reichenbach

"Delírio" de Verhoeven é atração no Cinesesc

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Uma aranha aproveita o braço de Jesus Cristo para armar a sua teia. Mais tarde, um rapaz de sunga vermelha, com jeito de modelo gay, será visto pregado na cruz. Numa cripta, como se fosse instalação artística, três carcaças de boi penduradas sobre galões de leite sangram sem parar. As coisas não vão acabar bem.
O escritor alcoólatra Gerard Reve (Jeroen Krabbé) decididamente anda vendo coisas demais. Ele é o protagonista de "O Quarto Homem" (Holanda, 1983), delirante filme de Paul Verhoeven que passa hoje no Cinesesc, com legendas em inglês, na quarta edição da "Sessão Dupla do Comodoro".
Sessão dupla? É que depois de "O Quarto Homem" será exibida (e bota exibida nisso) a superlativa comédia pornô "No Vale das Deusas Acromegálicas" (Beneath the Valley of the Ultravixens, EUA, 1979), com legendas em francês, do mestre bizarro Russ Meyer, morto no mês passado aos 82 anos.
Uma cidadezinha horrenda do Texas concentra quantidades industriais de mulheres insaciáveis, dotadas de peitos que parecem bolas de basquete (daí o duvidoso "acromegálicas" do título em português). Elas partem para o sexo bruto com um selecionado elenco de panacas: há o nazista que não tira o keds branco de cano alto quando transa num caixão de defunto, o bigodudo vendedor de lingerie a domicílio, o dono de desmanche de carros às voltas com a funcionária peso-pesado.
Visualmente o filme de Meyer é tão sutil quanto uma betoneira na banguela, e o espectador que encarar sem susto as aventuras de "supercachorras" ("supervixen") como Eufaula Roop e Lola Langusta está pronto para conhecer as confissões sexuais de Hulk e de Godzilla.
Para além do trash, contudo, um espírito corrosivo e frenético anima essa produção. Uma espécie de narrador televisivo apresenta as personagens e os lugares do filme, como se tudo fosse lindo e tipicamente americano. O depósito de carros enferrujados é descrito de forma épica: "O ferro-velho de hoje será o foguete de amanhã". O dono do desmanche é promovido a "campeão da livre iniciativa". Uma rádio religiosa promove, digamos, a "elevação" de ouvintes. O deboche é total.
Já "O Quarto Homem", de Paul Verhoeven, pode ser assistido a sério. Pertence à família dos filmes esquisitos, agourentos, próximos do pesadelo, como "Gêmeos - Mórbida Semelhança", de David Cronenberg, "Barton Fink", de Joel Coen, ou "Cidade dos Sonhos", de David Lynch.
Uma série de imagens perturbadoras -olhos saindo das órbitas, hotéis sinistros, agentes funerários sorridentes de cartola- ocupa a tela, sem economia de tons vermelhos e música soturna.
O protagonista, às voltas com desejos homossexuais, premonições tétricas e culpa católica, envolve-se com uma viúva de ares aracnídeos. O diretor Paul Verhoeven, que logo depois desse filme iria para Hollywood realizar longas de ficção científica como "Robocop" e "Tropas Estelares", sabe que o futuro não prenuncia nada de bom. Desse ponto de vista, "O Vale das Deusas Acromegálicas" pode até proporcionar um fim de noite mais animador.


SESSÃO DUPLA COMODORO. Onde: Cinesesc (r. Augusta, 2.075, São Paulo, tel. 0/xx/11/3082-0213). Quando: hoje, às 21h30. Quanto: grátis (retirar senha às 21h). Filmes: "O Quarto Homem" (Holanda, 1983), de Paul Verhoeven. Legendas em inglês; "No Vale das Deusas Acromegálicas" (EUA, 1979), de Russ Meyer. Legendas em francês.


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