São Paulo, sábado, 06 de outubro de 2007

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Crítica/erudito

Com regência de Neschling, Donohoe recria o exigente "Concerto" de Busoni

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Todo mundo saiu com as mãos doendo, só de ver o pianista Peter Donohoe tocar o colossal "Concerto" de Ferrucio Busoni (1866-1924). "Colossal" mais no sentido de desmesurado do que de assombroso: são 70 minutos de música, com apenas um intervalo entre o terceiro e quarto dos cinco movimentos, que a Osesp, regida por John Neschling, apresentou quinta na Sala São Paulo.
Busoni foi o maior virtuose do piano do início do século 20. Reconhecido como sucessor de Liszt (1811-86) -de quem a orquestra tocou o poema sinfônico "Os Prelúdios"-, ele era, nas palavras do compositor Kurt Weil (seu aluno), "o último renascentista". Falava muitas línguas, tinha uma biblioteca de renome, escreveu um tratado sobre a música do futuro, era respeitado como regente, promoveu a estréia de peças de compositores como Debussy e Bartók, e ganhou a admiração até dos compositores mais difíceis, como Schoenberg.
O "Concerto Para Piano Principal e Instrumentos de Arco, Sopro e Percussão, Com um Coro Final de Vozes Masculinas, a Seis Partes" foi escrito pelo até onomasticamente prolixo Ferrucio Dante Michelangelo Benvenuto Busoni em 1904. Quer renovar o gênero, fazendo do solista um elemento central da orquestra, não um herói contraposto à massa. Combina temas caracteristicamente cromáticos e texturas contrapontísticas com melodias e ritmos italianos, convergindo para um coral místico, sobre versos (em alemão) do poeta dinamarquês Oehlenschläger.
Se a parte do piano exige incrível tenacidade do pianista, não exige menos da platéia: Busoni é um sucessor de Liszt também no sentido de elevar a música à condição das mais altas formas de poesia, o que aqui a transporta às elevações da filosofia e da religião. Que o resultado soe tão irregular, para não dizer confuso ou tedioso, parece agora um acidente de época, que faz desse "Concerto" um dos maiores monumentos kitsch do pré-guerra.
Que os maus versos do fim, "Senti-vos próximo de Alá.../ De todo vivificado está agora o mundo morto", ganhem hoje outro sentido é um acidente do nosso tempo, que não salva o "Concerto", nem qualquer um de nós.


PETER DONOHOE
Quando: hoje, às 16h30
Onde: Sala São Paulo (pça. Julio Prestes, s/nš, tel. 0/xx/11/ 3223-3966)
Quanto: de R$ 25 a R$ 89
Avaliação: bom



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