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Crítica/erudito
Com regência de Neschling, Donohoe recria o exigente "Concerto" de Busoni
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Todo mundo saiu com as
mãos doendo, só de ver
o pianista Peter Donohoe tocar o colossal "Concerto"
de Ferrucio Busoni (1866-1924). "Colossal" mais no sentido de desmesurado do que de
assombroso: são 70 minutos de
música, com apenas um intervalo entre o terceiro e quarto
dos cinco movimentos, que a
Osesp, regida por John Neschling, apresentou quinta na Sala São Paulo.
Busoni foi o maior virtuose
do piano do início do século 20.
Reconhecido como sucessor de
Liszt (1811-86) -de quem a orquestra tocou o poema sinfônico "Os Prelúdios"-, ele era, nas
palavras do compositor Kurt
Weil (seu aluno), "o último renascentista". Falava muitas línguas, tinha uma biblioteca de
renome, escreveu um tratado
sobre a música do futuro, era
respeitado como regente, promoveu a estréia de peças de
compositores como Debussy e
Bartók, e ganhou a admiração
até dos compositores mais difíceis, como Schoenberg.
O "Concerto Para Piano
Principal e Instrumentos de
Arco, Sopro e Percussão, Com
um Coro Final de Vozes Masculinas, a Seis Partes" foi escrito pelo até onomasticamente
prolixo Ferrucio Dante Michelangelo Benvenuto Busoni em
1904. Quer renovar o gênero,
fazendo do solista um elemento central da orquestra, não um
herói contraposto à massa.
Combina temas caracteristicamente cromáticos e texturas
contrapontísticas com melodias e ritmos italianos, convergindo para um coral místico,
sobre versos (em alemão) do
poeta dinamarquês Oehlenschläger.
Se a parte do piano exige incrível tenacidade do pianista,
não exige menos da platéia: Busoni é um sucessor de Liszt
também no sentido de elevar a
música à condição das mais altas formas de poesia, o que aqui
a transporta às elevações da filosofia e da religião. Que o resultado soe tão irregular, para
não dizer confuso ou tedioso,
parece agora um acidente de
época, que faz desse "Concerto" um dos maiores monumentos kitsch do pré-guerra.
Que os maus versos do fim,
"Senti-vos próximo de Alá.../
De todo vivificado está agora o
mundo morto", ganhem hoje
outro sentido é um acidente do
nosso tempo, que não salva o
"Concerto", nem qualquer um
de nós.
PETER DONOHOE
Quando: hoje, às 16h30
Onde: Sala São Paulo (pça. Julio Prestes, s/nš, tel. 0/xx/11/ 3223-3966)
Quanto: de R$ 25 a R$ 89
Avaliação: bom
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