São Paulo, quinta-feira, 06 de outubro de 2011

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ANÁLISE

Aura de ícone inspirador é a mais persistente criação da artista

FRANCESCA ANGIOLILLO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA

Nunca houve uma mulher como Frida. Nem como qualquer outra, poderia se dizer.
O fato, porém, é que a imagem tão potente dessa mulher singular, referência automática para tudo o que seja feminino e latino-americano, o ícone inspirador, enfim, foi em grande parte construção consciente dela mesma.
Frida menina, posando atrás de um arbusto para esconder a perna afinada pela poliomielite, já demonstrava precocemente essa noção. Filha de um fotógrafo, acostumada portanto às lentes de uma arte que, em sua infância, era ainda vista como ameaçadora concorrente do retrato pictórico, ela se tornaria uma mestre do autorretrato. Como seu pai, aliás.
Ver-se refletida em suas próprias telas permitia a Frida contar sua história como bem lhe aprouvesse, redesenhando uma vida trágica que, como poucos, ela soube utilizar como matéria-prima. O recado é claro: é uma mulher forte, e não tomada pela autopiedade, a que Frida Kahlo pretende ser ao se retratar aberta por cirurgias, duplicada, criança, mas em todo caso sempre altiva, mesmo quando chora.
A estética que muitas vezes lembra a dos antigos ex-votos (que Frida colecionava) também tem algo a dizer: sobrevivi à tragédia e dou graças pela vida. A tal alegria de que fala Hayden Herrera.
Diferentemente de outros ícones que, de certa forma perduram, em um ou outro meio, como representações da feminilidade -digamos Marilyn Monroe ou Virginia Woolf-, Frida Kahlo quis se mostrar como resistente.
Assim, dentre os ícones do século 20, talvez seja de um homem que ela se aproxime mais. Como Che Guevara, Frida é conhecida sem sê-lo, e fartamente reproduzida em toda sorte de badulaque.
Tantos anos após sua morte, persiste a lógica pela qual a lembrança da vida supera a apreciação da arte. Para alguém que fez da própria biografia seu tema mais constante, tal fato não renderia mais que uma sonora gargalhada.


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