São Paulo, quinta-feira, 06 de outubro de 2011

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Teatro

CRÍTICA DRAMA

Théâtre du Soleil sintetiza potências da literatura e do cinema

Inspirada em romance póstumo de Julio Verne, peça transpõe para os palcos a linguagem dos filmes mudos


AO INSISTIR NA UTOPIA DE UMA HUMANIDADE FELIZ, O GRUPO RETOMA SUA ORIGEM E REVISITA ILUSÕES PERDIDAS AO LONGO DO SÉCULO 20


LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

O teatro e a fabricação de sonhos. "Os Náufragos da Louca Esperança", última criação do Théâtre du Soleil, é a síntese das potências da literatura e do cinema em um espetáculo que honra a trajetória da trupe.
Ao insistir na utopia de uma humanidade feliz, o grupo francês retoma sua origem e revisita ilusões perdidas ao longo do século 20. O ponto de partida foi um suposto romance póstumo de Julio Verne (1828-1905), que mistura arquiduques húngaros socialistas com aventureiros rumo à Austrália.
Um naufrágio na Terra do Fogo confronta índios nativos, burgueses e oprimidos na decisão de criar uma nova sociedade, logo corrompida pela corrida ao ouro lá descoberto.
Nessa trama rocambolesca, a encenadora Ariane Mnouchkine e sua trupe talentosa encontram o pretexto para um desafio à altura do que move os personagens de Verne: recriar em cena, com os recursos artesanais do teatro, uma filmagem de cinema mudo dessa saga, no sótão de um restaurante francês, às vésperas da Primeira Guerra Mundial.
A proposta é plenamente realizada, e o aspecto mais saliente desse milagre artístico é a transposição ao palco da linguagem do cinema, desvendando seus efeitos mágicos.
Se, de fato, as filmagens nos seus primórdios eram chapadas, com uma câmera frontal à cena, nessa versão teatral elas ganham velas tremulantes e fazem a imaginação navegar.
O procedimento, em todos os episódios, é o do chamado "plano sequência", quando a câmara passeia ininterrupta, ao longo de várias ações e diversos espaços.
A proeza exige que os 30 atores e atrizes em cena assumam também a condição de contrarregras do filme, e concretiza cenas extraordinárias pela beleza plástica e eficácia obtida.
Se no último trabalho apresentado no Brasil, "Os Efêmeros", os intérpretes já se dividiam entre seus papéis e a operação cenotécnica, dessa vez essa duplicidade é levada ao limite e demanda dos atuantes um desempenho exaustivo.
Vale ainda demarcar a riqueza da dramaturgia cênica, criada na parceria afiada de toda companhia com a escritora habitual de seus trabalhos, Hélène Cixous.
Negando a hipótese de que já não haja lugar para as grandes narrativas, o que se conta não só analisa o fracasso das utopias modernas, como arrisca remexê-las.
O coletivo do Soleil resiste. Eles não renunciam a sonhar e a produzir quimeras.

OS NÁUFRAGOS DA LOUCA ESPERANÇA
QUANDO qua. a dom., às 19h; até 23/10
ONDE Sesc Belenzinho (rua Padre Adelino, 1.000; tel. 0/xx/11/2076-9700)
QUANTO ingressos esgotados
CLASSIFICAÇÃO 12 anos
AVALIAÇÃO ótimo


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