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Bessa-Luís traz sua "Bovary" a SP
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
A grande dama das letras portuguesas está de volta. Agustina
Bessa-Luís, 82, que veio ao Brasil
menos de dois meses atrás para
receber o Prêmio Camões de
2004, está em São Paulo a fim de
promover seu romance "Vale
Abraão", inspirado em Flaubert.
O livro tem como mote "Madame Bovary", célebre história de
desilusão e adultério que causou
polêmica no século 19. Será lançado hoje com palestra e exibição de
adaptação cinematográfica do
mestre Manoel de Oliveira.
Uma controvérsia envolve
Agustina. Teriam suas obras marcado o fim do neo-realismo em
Portugal ou transfigurado essa
corrente literária, à sua moda? A
escolha de um romance emblemático do realismo como o de
Flaubert teria sido provocação?
Em entrevista à Folha, Agustina
conta que a idéia lhe foi sugerida
pelo próprio Oliveira, que já havia
adaptado dois outros livros seus
ao cinema: "Foi ele quem me pediu para escrever uma idéia para
um filme, e sugeriu "Madame Bovary". Eu disse que escrevia um livro, de onde Manoel tirava o
guião [roteiro].". O romance foi
publicado em Portugal em 1991 e
o filme saiu em 1993.
Agustina explica que, embora
"Madame Bovary" tenha sido o
ponto de partida, a inspiração para a personagem principal de
"Vale Abraão", Ema Paiva, a "Bovarinha" do Douro, proveio de
uma senhora que ela conheceu
pessoalmente: "Uma Bovary
adaptada aos tempos modernos".
A romancista comenta que o se
denomina "bovarismo" é uma
constante da natureza feminina.
"Trata-se daquela insatisfação vaga de moças instruídas no conceito de que o mundo é uma espécie
de paraíso", observa. Muitas, para
alimentarem essa ilusão, descobrem o caminho da exibição erótica, que também as entedia.
Ema Paiva, por exemplo. Casada com um medíocre médico de
província, cedo se aborrece com o
matrimônio e adota um comportamento extravagante e a colecionar amantes. Na verdade, tem
menos amantes do que as pessoas
imaginam, pois sua conduta baseia-se numa exibição enganosa.
Num dos trechos mais ferinos
do romance, Ema é confundida
com uma prostituta por um velho
de Ferrari. O sujeito percebe o erro quando a vê entrar em casa.
"Dê a volta devagar, não me estrague as hidranjas", sentencia Ema,
orgulhosa de si, arrastando o casaquinho de pele no areão da entrada.
Agustina é autora de mais de 60
livros (o mais famoso é "A Sibila")
e ganhadora de inúmeros prêmios. Escreve desde os doze anos
e, aos quinze, adquiriu "o conhecimento mais ou menos desavergonhado do que era ter talento".
Diz-se que muitos de seus romances tratam do fim do mundo rural, de figuras que desaparecem
junto com seu ambiente, em face
de uma sociedade em rápida
transformação.
Ao final da entrevista, Agustina
senta com um livro em que há fotos de sua família, e vai apontando
tipos de outrora: o louco, a apaixonada, a matrona severa. Remetem a um mundo que dá voltas e
voltas na imaginação dessa senhora sibilina, que, ao contrário
de alguns de seus personagens,
soube manter-se em consonância
com o tempo.
VALE ABRAÃO. Autora: Agustina Bessa-Luís. Editora: Planeta. Quanto: R$ 29 (272
págs.). Palestra e sessão de autógrafos,
hoje às 16h, seguidas de exibição do
filme "Vale Abraão", de Manoel de
Oliveira, às 18h. Onde: Casa do Saber
(Rua Dr. Mário Ferraz, 414, SP, ).
Inscrições pelo tel. 0/xx/11/3707-8900.
Quanto: grátis.
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