São Paulo, domingo, 06 de novembro de 2005

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MÔNICA BERGAMO

Chefs e empresários de restaurantes da chamada alta gastronomia de São Paulo avaliam a situação atual do mercado

Mudança de cardápio

Ana Ottoni/Folha Imagem
Nancy Mattos e Francisco Barroso no bistrô Le Vin, em São Paulo


Nancy Mattos dispensa o marido, Francisco Barroso, e a filha, Vivian Mattos, ambos sócios, e decide trancar-se sozinha no Café Antiqüe no primeiro fim de semana em que um dos mais tradicionais restaurantes de alta gastronomia de São Paulo está oficialmente fechado. Isso faz três semanas.

Na casa onde o Café Antiqüe funcionou por seis anos e meio, na rua Haddock Lobo, Nancy observa talheres de prata, toalhas de algodão egípcio, taças de cristal e até quadros comprados em Paris. Tudo para decidir o que fazer com aquelas preciosidades. "Foi o final de um projeto de vida. Mas eu não chorei. Fiquei só um pouco triste. Acho que um ciclo se fechou", diz ela, também dona dos bistrôs Le Vin e L'Ami.

Dias depois, foi a vez de Carlos Rios juntar talheres e louças no Esplanada Grill, grife que há 20 anos atraía fãs de bons cortes de carne àquela região e fechou as portas. Alguns meses antes, o empresário e chef francês Laurent Suaudeau, há 15 anos em SP, repetira a cena na casa que manteve por dois anos na alameda Lorena.

Há uma crise à vista na alta gastronomia em SP ou é coincidência três restaurantes estrelados fecharem em menos de um ano? Nancy e o marido acreditam que o Café Antiqüe encerrou as atividades porque os paulistanos não querem pagar mais por um serviço diferenciado. Serviço esse em que um casal pode jantar por três horas, é paparicado por chefs e maîtres, come em pratos de porcelana, bebe vinhos de excelente procedência e gasta, no mínimo, R$ 300. Sem as bebidas.

Laurent abriu seu restaurante há cerca de três anos. Servia 60 pessoas/ dia na estréia. Fechou com 50% das mesas ocupadas. Saiu da sociedade para tocar projetos pessoais - atualmente tem uma escola de gastronomia em Higienópolis. Acha que a alta gastronomia passa por um período de mudança. "A Europa comporta casas assim por causa do fluxo de turistas. No Brasil, os que têm muito dinheiro preferem olhar para as duas Ferraris em casa que ir a um grande restaurante. Acho que é um novo momento cultural."

Os motivos do encerramento dessas casas são diferentes, mas alguns chefs e empresários ouvidos pela coluna apontam que há uma sutil reformatação desse mercado. Hoje restaurantes classe AA representam 5% dos estabelecimentos registrados na capital paulista, segundo dados da Associação de Bares e Restaurantes (Abrasel). Dos 150 que abrem anualmente na capital, de qualquer padrão, cem fecham. A Abrasel não tem números específicos sobre o fluxo na alta gastronomia.

Mais restaurantes devem fechar? "Eu cansei, as pessoas cansaram [da alta gastronomia]. O mundo mudou", diz o chef Emmanuel Bassoleil, que saiu do Roanne há três anos e hoje comanda o Skye, do hotel Unique, um lugar mais descontraído, "que serve de pizza a foie gras, passando por combinados de sushi e sashimi". Diz ele: "Ninguém tem mais tempo nem paciência para grandes jantares. As pessoas querem ir a lugares onde se come bem, onde o menu é fácil de entender e os garçons não ficam ao seu redor o tempo inteiro. E eu não tenho condições de manter um restaurante onde a clientela aparece uma vez a cada dois meses".

Um casal gasta no Skye, em média, R$ 110. "Eu tive de me adaptar. Alta gastronomia só é boa para o ego do chef." Para Bassoleil, pessoas mais maduras é que continuarão a freqüentar restaurantes com este perfil. Em sua opinião, "o Fasano, por exemplo, é top, mas é careta".

Rogério Fasano, um dos sócios do Fasano, devolve: "Careta eu faço diante de uma pizza feita pelo Bassoleil" e afirma que o problema é que São Paulo não comporta tantos restaurantes do porte do Fasano. Por isso alguns acabaram fechando as portas, e muitos andam às moscas. "Todo mundo pensa que pode abrir um negócio assim e depois quebra."

O próprio restaurante do hotel Fasano, o mais requintado do grupo, não é o de maior retorno financeiro. Rogério diz que o Gero [uma das casas] é mais rentável. "Se todo mundo pedir o prato mais caro do Fasano, eu também quebro. Demanda mais tempo e mais cozinheiros. Ganho mais dinheiro com o ravióli do Gero", diz.

Jun Sakamoto, dono de um dos melhores restaurantes de culinária japonesa de SP, engrossa a lista dos queixosos e dos cansados da alta gastronomia. Diz que agosto e setembro, por exemplo, "foram bem fracos", pela primeira vez em cinco anos. "É uma tendência mundial. Restaurantes desse nível estão fechando ou grandes chefs estão diversificando sua atuação, abrindo bistrôs", diz Sakamoto. Mestre nos cortes de atum e salmão, o chef acabou de abrir uma hamburgueria. Mantém os 30 jantares por noite no Jun Sakamoto, a R$ 300 o casal, e vende de 200 a 700 hambúrgueres/dia por R$ 12, os mais baratos, em seu outro negócio.

Sakamoto lembra que preços de produtos como caviar e trufa só fazem subir e os valores precisam ser rateados entre os clientes. O que acontece, em sua opinião, é que grandes nomes da gastronomia não conseguem recuar, "abrir uma pizzaria, viver de omelete", e terminam fechando mesmo.

"Quando servíamos baunilha, não era a essência. Quanto custa a fava? R$ 3.000, o quilo", diz Nancy Mattos, do Café Antiqüe. O restaurante, em seis anos, passou de 3.000 couverts para 1.200 mensais e os sócios chegaram a negociar com seguradoras tetos de até R$ 500 mil de cobertura para cobrir eventuais danos aos automóveis de seus clientes. "Queria continuar a servir vinho em taça legal e não tinha o menor sentido servir pratos em jogo americano", diz Nancy.

O chef Erick Jacquin, do La Brasserie, mantém as esperanças. Chef do Café Antiqüe por cinco anos, ele acredita que "ainda tem gente muito rica por aqui que quer investir em qualidade. A classe média é que está em crise".

bergamo@folhasp.com.br
COM JOÃO LUIZ VIEIRA E DANIEL BERGAMASCO


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