São Paulo, segunda-feira, 06 de novembro de 2006

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GUILHERME WISNIK

Utopia e pragmatismo


Êxito midiático da profissão é acompanhado de uma derrota social; arquitetura opta pelo pragmatismo

OS GREGOS inventaram a "pólis" como lugar de morada e interação pública de seus cidadãos, e, ao mesmo tempo, unidade máxima de soberania territorial.
Por mais que, depois, os romanos tenham criado um império, e que o conceito de "república" tenha amparado a formação dos Estados-Nação modernos, continuamos medindo a história através dos ciclos de hegemonia de cidades.
Por exemplo: as "economias-mundo" de Veneza, Amsterdã e Londres, dos séculos 13 ao 18, a proeminência cultural de Paris no século 19, e a hegemonia de Nova York no "século americano", parecendo reunir todas as características das cidades anteriores, e deixando no ar a pergunta sobre o que o presumível "século chinês" poderá acrescentar a esse quadro. Portanto, não é de hoje que as cidades são atores econômicos competindo em uma rede global, em que o dinheiro se concentra e desloca.
Em 1999, a revista "Arquitectura Viva" fez um balanço da década que terminava com o diagnóstico: "nunca a arquitetura esteve tão presente na consciência simbólica contemporânea, mas, por outro lado, nunca os arquitetos se viram tão afastados das grandes decisões estratégicas relativas ao espaço construído". Quer dizer, o êxito midiático da profissão veio acompanhado de uma derrota social, trocando a utopia pelo pragmatismo. Percurso que se mostra claro na eleição das cidades-símbolo das últimas décadas.
Montréal materializou o "sonho dos anos 60" na Expo'67, aliança entre as megaestruturas urbanas e um estado de bem-estar social. Seus ícones foram a grande praça comercial subterrânea, de Ieoh Ming Pei, a cúpula geodésica de Buckminster Füller, e o conjunto de moradias pré-fabricadas de Moshe Safdie, proposta radical para a industrialização da habitação. Com um misto de casario histórico e pistas expressas, a cidade combinava a civilidade européia com a vitalidade americana. Paradigma utópico que se eclipsou com o fracasso da Olimpíada de 76, o incêndio da geodésica de Füller, e o declínio econômico subseqüente.
Houston é a cidade do petróleo. No calor húmido do Texas, se espraia um agrupamento de torres espelhadas indiferente a qualquer disciplina de planejamento urbano. Quase destituída de espaços públicos, representa a afirmação agressiva do mercado, da liberdade individual, sob o recrudescimento liberal dos anos 70. Já Tóquio, criada como um núcleo feudal labiríntico, e reconstruída muitas vezes sem nenhuma preocupação tipológica, torna-se ícone do capitalismo generalizado e consumista dos anos 80: uma megalópole sem centro e sem caráter, um "corpo sem órgãos" ao invés de um "tecido urbano", como diria Gilles Deleuze.
Berlim, por fim, simboliza a Europa unificada pós-muro, no pluralismo arquitetônico-midiático que apaga as cicatrizes históricas. Chegado aqui, podemos perguntar: haverá ainda um espaço público a reconstruir na forma de uma imagem reconhecível de cidade, ou, como diz Rem Koolhaas, ele já mudou de lugar, se difundindo e dispersando nas redes de comunicação eletrônica?


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