São Paulo, terça-feira, 06 de dezembro de 2005

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ARTES PLÁSTICAS

Para o curador suíço das feiras Basel e Basel-Miami, produção do país passa a ter mais espaço no exterior

Keller vê crescimento do Brasil no mercado de artes

Carlos Barria/Reuters
Instalação com vídeo na feira Basel-Miami Beach; evento reúne galeristas, colecionadores e celebridades do mundo das artes


FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL A MIAMI

Aos 39 anos, o suíço Samuel Keller está entre as dez figuras mais importantes do mundo das artes plásticas, segundo a publicação "Art Review", à frente de importantes artistas como Bruce Nauman e Richard Serra. Diretor de duas feiras de arte -Basel, na Suíça, que ocorre em junho, e Basel-Miami Beach, que aconteceu até o último domingo, em Miami-, ele movimenta com tais eventos cerca de US$ 500 milhões, na versão européia, e US$ 250 mil, na edição da Flórida, segundo estimativas do marchand brasileiro Jones Bergamin.
"É impossível saber quanto circula de fato, pois não controlamos as vendas das galerias", disse Keller à Folha durante o evento. O diretor, no posto desde 1999, afirma que os custos de produção para cada feira, que dura quatro dias, estão no mesmo patamar de uma mostra como a Bienal de Veneza, o que deve significar algo em torno de US$ 7 milhões. E, em quatro dias, no ano passado, a feira reuniu 35 mil visitantes.
Com viagens freqüentes ao Brasil -"gosto do Brasil mais que do meu próprio país", costuma dizer-, Keller é reconhecido por ampliar o mercado das artes.
"Basel já era boa, participo dessa feira desde 1986, mas era muito séria. Samuel inventou Miami, com visitas a casas de colecionadores, festas, e isso trouxe mais dinâmica ao mercado. Suas feiras são as melhores, onde mais vendo", diz a brasileira Luisa Strina.
Entretanto nem todos são unânimes em relação aos eventos de Keller. A galeria inglesa The Center of Attention organiza uma mostra paralela à Basel-Miami Beach, num hotel, a partir de um manifesto: "Feiras de arte são nojentas, elas nos deixam doentes. Será essa a melhor forma de mostrar arte e curá-la? É revoltante".
Por meia hora, Keller conversou com a Folha sobre o papel do mercado nos circuito das artes e como se tornou um dos mais influentes nesse meio. Leia a seguir trechos da entrevista.
 

Folha - O senhor está entre as dez personalidades mais influentes do mundo das artes. O que isso representa?
Samuel Keller -
Eu não vejo essa consideração como algo pessoal, mas para a Basel e a Basel-Miami, que são os eventos que dirijo.

Folha - Desde que o senhor passou a dirigir a Basel, em 1999, e depois com Miami, essas feiras tornaram-se mais abertas e viraram hits que se comparam ao Festival de Cinema de Cannes. Isso tem a ver com as festas e eventos paralelos que organiza?
Keller -
O que temos tentado fazer é levar a tradição de uma feira de arte além da exibição de galerias nos estandes. Tentamos organizar de fato um festival cultural, para um largo público, por um lado, e, por outro, conseguir as melhores obras de arte, o que significa que é necessário criar uma boa infra-estrutura, um bom design, um bom contexto para os trabalhos e garantir que haja público para isso. O que tentamos fazer é ver que nossos clientes não são apenas os galeristas, mesmo que eles sejam os mais importantes, mas também os diretores de museu, curadores e críticos. Vemos nossas feiras como uma plataforma para todos os interessados em arte, sejam acadêmicos ou colecionadores.

Folha - Quanto dinheiro circula numa feira como essa? É verdade que só em Basel roda cerca de meio bilhão de dólares?
Keller -
Eu não sei. Nós não registramos as vendas, consideramos isso como uma negociação privada entre galerias e colecionadores. E também não é possível medir isso, pois algumas galerias começam preparando as vendas antes, e as vendas de trabalhos acima de US$ 1 milhão podem ser concretizadas apenas seis meses depois, de casos que conheço de museus que precisam ter compras aprovadas por comitês. Agora, se temos 99% se reinscrevendo todo ano, creio que é um negócio rentável. Elas não voltariam se não fizessem dinheiro.

Folha - Há muita crítica sobre o excesso do comércio na arte e, das dez principais figuras influentes na arte, seis são ligadas ao mercado. Qual é o papel do mercado nesse circuito?
Keller -
Desde que a arte existe, existe um mercado para ela. Então a questão é como ter um bom mercado para arte. Creio que o mercado tem sido um bom sistema para apoiar artistas, financeiramente e, para dar acesso a um público maior, com espaços livres. Afinal, há muito mais galerias do que museus no mundo e as galerias podem mostrar trabalhos que ainda não foram mostrados em museus. Claro que esse é apenas um aspecto e devemos respeitar artistas que querem trabalhar fora do mercado ou critiquem o mercado.
Tentamos ter moral no que fazemos com arte. Se há crítica, buscamos ver como melhorar. E, ainda, falando de Basel, damos espaço para trabalhos que ainda não são considerados comerciais. Nos anos 80, demos espaço para fotografia e vídeo, que não tinham mercado. Agora, em Miami, há um programa para performance, com curadores convidados e artistas pagos.

Folha - Você coleciona arte?
Keller -
Eu compro arte, mas não sou um colecionador. Como diretor da feira de Basel, eu não compro mais arte das galerias que participam dos eventos, para que não haja conflito de interesse, e, como temos as melhores galerias, fica difícil! Mas, ocasionalmente, compro obras de jovens artistas.

Folha - E como você vê a situação da arte no Brasil?
Keller -
O Brasil é um país que tradicionalmente tem a maior produção na América Latina e por muito tempo essa produção não era conhecida internacionalmente. Vejo que isso mudou muito nos últimos dez anos, graças a ações individuais, como os de Marcantonio Vilaça e Luisa Strina, que viajam um monte para mostrar trabalhos. Há também um grande número de curadores, como Adriano Pedrosa, Ivo Mesquita e Paulo Herkenhoff, que têm trabalhado muito. A Bienal, claro, sempre desempenhou um papel importante para a arte brasileira, sendo a principal forma de intercâmbio com a arte internacional. Finalmente, creio que os colecionadores têm tido um papel fundamental em mostrar a arte brasileira fora do país.


O jornalista Fabio Cypriano viajou a convite da feira Basel-Miami Beach

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