São Paulo, sábado, 06 de dezembro de 2008

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Crítica/"Fôlego"

Autor evoca romantismo ao falar de surfe

JOCA REINERS TERRON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

É pouco provável que J.W. Goethe, mesmo com toda a sua maestria, pudesse prever que o seu Wilhelm Meister um dia praticasse surfe na costa da Austrália. Mas é isto o que acontece em "Fôlego", romance do australiano Tim Winton, o primeiro de seus livros a dar com a quilha nestas areias brasileiras.
É preciso explicar: não é bem o sofrido Meister quem entuba ondas de seis metros nas páginas de "Fôlego", e sim o gênero do "Bildungsroman", ou romance de formação, do qual "Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister" é precursor.
A esta altura do século 21, parece evidente que o romantismo (do qual "Wilhelm Meister" é o estopim) seja infinito, e os sentimentos impúberes que faziam a garotada se jogar de prédios em 1795 (ano da publicação do livro de Goethe) sejam idênticos aos que ainda hoje impulsionam corpos sobre pranchas pelo planeta afora. "Fôlego" trata da insegurança de crescer num mundo hostil, mas também dos complexos típicos da adolescência. Pikelet, de 13 anos, é um garotão de Sawyer Point, vilarejo madeireiro australiano. Junto de seu melhor amigo, o destemido e clicheresco Loonie (um marginal órfão de mãe e filho de violento pai alcoólatra), ele encara as mudanças comportamentais dos anos 60 nas praias.
Nelas, são adotados por Sando, o ex-surfista profissional com talento para guru que vive numa casa rústica com Eva, uma norte-americana arredia. Sando é o cavaleiro solitário das ondas da região e adquire status heróico diante dos olhos dos meninos. Dentro de sua kombi, o trio vaga por picos chamados Barney's Place (o dono do pedaço é um gigantesco tubarão branco) e Nautilus, além de enfrentar vagalhões chamados Old Smoky e Bomboras. Assim, tudo ganha caráter legendário, e os garotos começam a se tornar homens.
Com isto, vêm a rivalidade e as novas descobertas. Enquanto Sando encontra em Loonie a companhia ideal de surfe, a misteriosa Eva enreda o inseguro Pikelet em seus desencantos sexuais. O garoto é então exposto aos viciosos hábitos adultos que podem ser tão tristes.
Quem nos conta tudo isto de maneira retrospectiva é o próprio Pikelet, já cinqüentão e metamorfoseado em paramédico especializado em atender suicidas. As imagens de Winton são puras feito as míticas águas australianas dos anos 60: "Eu era menino e não sabia colocar aquilo em palavras, porém, mais tarde entendi o que capturou a minha imaginação naquele dia. O quanto era estranho ver aqueles homens fazerem algo belo. Algo sem sentido, algo elegante, como se ninguém estivesse vendo", Pikelet recorda, como se, ao falar de surfe, falasse da inutilidade da poesia.


FÔLEGO
Autor:
Tim Winton
Tradução: Juliana Lemos
Editora: Argumento
Quanto: R$ 32 (256 págs.)
Avaliação: ótimo



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