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Crítica/"Fôlego"
Autor evoca romantismo ao falar de surfe
JOCA REINERS TERRON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
É pouco provável que
J.W. Goethe, mesmo
com toda a sua maestria, pudesse prever que o seu
Wilhelm Meister um dia praticasse surfe na costa da Austrália. Mas é isto o que acontece
em "Fôlego", romance do australiano Tim Winton, o primeiro de seus livros a dar com a
quilha nestas areias brasileiras.
É preciso explicar: não é bem
o sofrido Meister quem entuba
ondas de seis metros nas páginas de "Fôlego", e sim o gênero
do "Bildungsroman", ou romance de formação, do qual
"Os Anos de Aprendizado de
Wilhelm Meister" é precursor.
A esta altura do século 21, parece evidente que o romantismo (do qual "Wilhelm Meister"
é o estopim) seja infinito, e os
sentimentos impúberes que faziam a garotada se jogar de prédios em 1795 (ano da publicação do livro de Goethe) sejam
idênticos aos que ainda hoje
impulsionam corpos sobre
pranchas pelo planeta afora.
"Fôlego" trata da insegurança de crescer num mundo hostil, mas também dos complexos
típicos da adolescência. Pikelet,
de 13 anos, é um garotão de
Sawyer Point, vilarejo madeireiro australiano. Junto de seu
melhor amigo, o destemido e
clicheresco Loonie (um marginal órfão de mãe e filho de violento pai alcoólatra), ele encara
as mudanças comportamentais
dos anos 60 nas praias.
Nelas, são adotados por Sando, o ex-surfista profissional
com talento para guru que vive
numa casa rústica com Eva,
uma norte-americana arredia.
Sando é o cavaleiro solitário
das ondas da região e adquire
status heróico diante dos olhos
dos meninos. Dentro de sua
kombi, o trio vaga por picos
chamados Barney's Place (o dono do pedaço é um gigantesco
tubarão branco) e Nautilus,
além de enfrentar vagalhões
chamados Old Smoky e Bomboras. Assim, tudo ganha caráter legendário, e os garotos começam a se tornar homens.
Com isto, vêm a rivalidade e
as novas descobertas. Enquanto Sando encontra em Loonie a
companhia ideal de surfe, a
misteriosa Eva enreda o inseguro Pikelet em seus desencantos sexuais. O garoto é então exposto aos viciosos hábitos adultos que podem ser tão tristes.
Quem nos conta tudo isto de
maneira retrospectiva é o próprio Pikelet, já cinqüentão e
metamorfoseado em paramédico especializado em atender
suicidas. As imagens de Winton
são puras feito as míticas águas
australianas dos anos 60:
"Eu era menino e não sabia
colocar aquilo em palavras, porém, mais tarde entendi o que
capturou a minha imaginação
naquele dia. O quanto era estranho ver aqueles homens fazerem algo belo. Algo sem sentido, algo elegante, como se
ninguém estivesse vendo", Pikelet recorda, como se, ao falar
de surfe, falasse da inutilidade
da poesia.
FÔLEGO
Autor: Tim Winton
Tradução: Juliana Lemos
Editora: Argumento
Quanto: R$ 32 (256 págs.)
Avaliação: ótimo
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