São Paulo, segunda-feira, 06 de dezembro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

CRÍTICA TEATRO

La Fura faz espetáculo grandioso e menos radical

"Cielo Arte" seria deslumbrante, se não tentasse carregar tudo de significado

CHRISTIANE RIERA
CRÍTICA DA FOLHA

Um anjo ascende por um guincho. Nas bordas de suas asas, dois malabaristas. Um deles segura um violino. Do outro lado, agarrada a um círculo, uma mulher balança suas pernas. Ao virar de ponta-cabeça, flocos brancos acompanham seu movimento.
"O erudito se torna popular. Hambúrguer e silk-screen", uma voz informa ao público.
Em seguida, no enorme telão ao fundo, a projeção de um rosto se transforma em uma boca que grita até se fundir com algo que acaba de explodir. Estilhaços de corpos humanos?
Esse vídeo é ofuscado por fogos de artifício que estouram por trás. O volume da música eletrônica aumenta e introduz um cientista que atravessa a multidão até encontrar um saco suspenso, do qual uma mulher seminua é parida. Nova explosão que espalha papéis cintilantes e coloridos pelo ar.
Com um passado de mais de 30 anos, o grupo catalão La Fura dels Baus, conhecido mundialmente por explorar o espaço cênico e a interação com a plateia de maneira inovadora, volta ao Brasil, desta vez com um espetáculo-evento menos radical e mais grandioso.
Com um patrocinador que leva o mesmo nome do show, "Cielo Arte" reúne 13 atores espanhóis a 80 voluntários brasileiros nesta combustão pirotécnica, feita para perturbar os sentidos. O espetáculo, gratuito, ocorreu no último sábado, no Memorial da América Latina, em São Paulo, para um público de cerca de 12 mil pessoas.
O resultado é um espalhafato curioso, que até resultaria em deslumbramento, não fossem as inúmeras tentativas de carregar de significado tudo isso.
Ao longo de toda a encenação, uma voz em off dispara trechos que imploram e pelejam por algum sentido: "A travessia da imaginação, a peregrinação de um enigma, o gozo das utopias, a imersão das lembranças (...) e vertigem. O ponto que interroga".
Enquanto parte do público foge do monóxido de carbono espalhado por um dos guindastes e a outra parte observa fascinada a gigante roda com luz estroboscópica que carrega pessoas de branco dançando um balé ao som do bolero de Ravel, o ponto de interrogação remete, insistente, à frase de abertura.
Trata-se da popularização do erudito ou de um ensaio de erudição do popular?
A resposta vem com um fantoche em dimensões extraordinárias, um boneco sustentado por fios de aço que apequena todos ao redor, principalmente aqueles que ouviram atentos a sua justificativa: "Um gigante espanhol na América Latina".
E, assim, segue a colonização, quer dizer, o embotamento de nossos sentidos.

LA FURA DELS BAUS - 'CIELO ARTE'
AVALIAÇÃO regular


Texto Anterior: Opinião: Mostra vive dilema de almejar ser elitista e também popular
Próximo Texto: Teatro: Folha promove leitura de peça sobre beatle John Lennon
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.