INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

A temporada de dança no Rio começa cedo este ano, com diferentes formas de investigação. Duas propostas estréiam amanhã: "Afirmações Intencionais -Acidentes", projeto orientado por João Saldanha -um dos nomes mais importantes da dança contemporânea carioca-, que reúne bailarinos para montarem juntos um espetáculo; e a Residência Coreográfica DeAnima, que convoca os trabalhos de sete jovens coreógrafos.
Com a perda do apoio da Prefeitura do Rio de Janeiro, Saldanha (que dirige o Ateliê de Coreografia desde 1987) quis repensar a questão de manter uma companhia: "São tantos gastos que, às vezes, você se torna mais produtor do que coreógrafo, só para manter a estrutura. Depois desse baque, resolvi repensar o formato tradicional de companhia. Nesse trabalho, propus jogos aos bailarinos, querendo tornar vivo o potencial criativo a partir de situações simples".
Estão reunidos aqui intérpretes do próprio Ateliê, da Cia. Lia Rodrigues e da Carlota Portella. Marcelo Braga, Alex Senna, Danielle Rodrigues, Micheline Torres, Laura Sami, Thiago Granato e João Saldanha criaram sequências de movimento, que geraram solos, duos, trios e quartetos. São módulos que apresentam variações a cada noite. Três horas antes da apresentação, são feitas escolhas de "um espetáculo que se configura a cada dia".
A estrutura básica, então, está previamente estabelecida, podendo ser tratada com liberdade e sujeita a acasos. A música também entra no leque de possibilidades -desde Cartola e Madonna até trechos da ópera "Sansão e Dalila" cantados por Maria Callas.
Os bailarinos dançam num cenário com aparência de pista de skate, no espaço multiuso do Sesc, para uma platéia de apenas 40 pessoas. É um jogo de dança e de idéias, onde a capacidade dos intérpretes conta muito.
De sua parte, a Residência Coreográfica oferece aos novos artistas o espaço, a produção e a possibilidade de trabalhar com os 16 bailarinos da companhia. A idéia é inspirada no modelo vivenciado pelos diretores da companhia no Ballet Stuttgart.
Neste ano são sete coreógrafos: Alessandra Salamonde, Ana Andréa, Carlos Laerte, André Baeta, Clébio Oliveira, Rodrigo Negri e Marcellus Ferreira, que entraram num acordo para dividir o tempo (e os próprios intérpretes). Segundo Ferreira, esta é uma grande oportunidade, mas ao mesmo tempo um desafio difícil, pelo curto tempo para absorção de tantos tipos diferentes de movimento pelos corpos. Mas justamente aí pode estar um campo rico de descoberta: provocado, o corpo de um bailarino diz coisas, às vezes, que ninguém sabia.
Os apoios a pesquisas no campo da criação serão sempre cruciais para o desenvolvimento da dança. Mesmo a percepção dos limites e possibilidades atua de maneira positiva, promovendo um olhar mais crítico de todos. E num momento como esse, quando há tanta coisa contra, quem será pela dança senão a própria dança?