|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Chile revê seu passado da ditadura
SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN
Setembro de 1973. Em uma cena
de "Machuca", o menino Gonzalo
assiste, pela TV da mansão em
que vive, num bairro rico de Santiago, ao discurso dos militares
que derrubaram Salvador Allende. Eles juram reestabelecer a ordem após três anos de "caos marxista". O mais enfático dos homens fardados é o general Augusto Pinochet, que aqui na película
não tem nada do ar frágil e debilitado que mostra nos dias de hoje.
Janeiro de 2005. Agora um ex-ditador, responsável por um regime que matou mais de 3.000 chilenos, Pinochet tem sua prisão
domiciliar decretada devido a
processo relativo à Operação
Condor, que torturou dissidentes
estrangeiros durante o período.
Ser confinado à sua casa de veraneio em Los Boldos é apenas mais
um revés somado aos muitos que
Pinochet viveu ultimamente.
Primeiro foram os mais de 500
dias de reclusão em Londres (1998
a 2000), aguardando uma decisão
britânica sobre um pedido de extradição de um juiz espanhol.
No final do ano passado, mais
dois petardos contra sua imagem
pública. Primeiro foi acusado de
esconder cerca de US$ 16 milhões
de dólares num banco dos EUA.
Depois, o atual presidente do Chile, Ricardo Lagos, divulgou um
relatório mostrando que a ditadura torturou 28 mil chilenos.
No final de "Machuca", um muro caiado pelos soldados tenta esconder os conflitos que vivia a sociedade durante o governo Allende.
Nesse processo de revelação dos
crimes da ditadura e de revisão da
história que a sociedade chilena
está vivendo atualmente, parte do
que esteve escondido por trás daquela pintura parece estar vindo à
tona.
Sociedade dividida
Ao dar o título do filme não ao
protagonista, o rico Gonzalo, mas
a seu amigo pobre, o Machuca,
Andrés Wood aponta como a história, às vezes, parece ter menos
efeito sobre os mais ricos. Antes
do golpe, enquanto a TV mostra a
visita de Allende à URSS, a mãe de
Gonzalo, alheia, escolhe o figurino e a maquiagem com que vai
encontrar o amante.
Depois do golpe, protegido pelo
sobrenome e o tênis importado,
Gonzalo assiste à ditadura desabar com todo o seu horror na favela onde vive Machuca.
Pode parecer caricata e até sentimental demais a maneira como
Wood retrata esses dois pólos da
sociedade à época do golpe. Mas é
um quadro que ajuda a entender
perfeitamente por que há ainda
tanta gente no Chile que acredita
que os crimes da ditadura Pinochet, cada vez mais notórios e expostos, não precisam ser julgados.
Texto Anterior: Crítica: Longa mistura aventura juvenil e crise política em terra em transe Próximo Texto: Mônica Bergamo Índice
|