São Paulo, sexta-feira, 07 de janeiro de 2005

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Chile revê seu passado da ditadura

SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN

Setembro de 1973. Em uma cena de "Machuca", o menino Gonzalo assiste, pela TV da mansão em que vive, num bairro rico de Santiago, ao discurso dos militares que derrubaram Salvador Allende. Eles juram reestabelecer a ordem após três anos de "caos marxista". O mais enfático dos homens fardados é o general Augusto Pinochet, que aqui na película não tem nada do ar frágil e debilitado que mostra nos dias de hoje.
Janeiro de 2005. Agora um ex-ditador, responsável por um regime que matou mais de 3.000 chilenos, Pinochet tem sua prisão domiciliar decretada devido a processo relativo à Operação Condor, que torturou dissidentes estrangeiros durante o período. Ser confinado à sua casa de veraneio em Los Boldos é apenas mais um revés somado aos muitos que Pinochet viveu ultimamente.
Primeiro foram os mais de 500 dias de reclusão em Londres (1998 a 2000), aguardando uma decisão britânica sobre um pedido de extradição de um juiz espanhol.
No final do ano passado, mais dois petardos contra sua imagem pública. Primeiro foi acusado de esconder cerca de US$ 16 milhões de dólares num banco dos EUA. Depois, o atual presidente do Chile, Ricardo Lagos, divulgou um relatório mostrando que a ditadura torturou 28 mil chilenos.
No final de "Machuca", um muro caiado pelos soldados tenta esconder os conflitos que vivia a sociedade durante o governo Allende.
Nesse processo de revelação dos crimes da ditadura e de revisão da história que a sociedade chilena está vivendo atualmente, parte do que esteve escondido por trás daquela pintura parece estar vindo à tona.

Sociedade dividida
Ao dar o título do filme não ao protagonista, o rico Gonzalo, mas a seu amigo pobre, o Machuca, Andrés Wood aponta como a história, às vezes, parece ter menos efeito sobre os mais ricos. Antes do golpe, enquanto a TV mostra a visita de Allende à URSS, a mãe de Gonzalo, alheia, escolhe o figurino e a maquiagem com que vai encontrar o amante.
Depois do golpe, protegido pelo sobrenome e o tênis importado, Gonzalo assiste à ditadura desabar com todo o seu horror na favela onde vive Machuca.
Pode parecer caricata e até sentimental demais a maneira como Wood retrata esses dois pólos da sociedade à época do golpe. Mas é um quadro que ajuda a entender perfeitamente por que há ainda tanta gente no Chile que acredita que os crimes da ditadura Pinochet, cada vez mais notórios e expostos, não precisam ser julgados.


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