São Paulo, quarta-feira, 07 de janeiro de 2009

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Marcelo Coelho

O segredo do sucesso


Se algum gênio não foi recompensado, houve motivos consideráveis para que isso acontecesse


UMA DAS COISAS que sempre me alegram no cinema americano (e na vida em geral) é ver as atividades de alguém excepcionalmente bom naquilo que faz. Volta e meia os filmes de Hollywood nos trazem personagens assim.
Para só lembrar de um filme desse gênero, cito um que talvez não seja dos mais famosos: "Cartas na Mesa", com Matt Damon e Edward Norton.
Conta a história de um estudante universitário que calha de ser também um jogador de pôquer absolutamente fora do comum. Pouco importa se o sucesso em Las Vegas é desprezível. O espectador fica imediatamente a favor de Matt Damon (numa partida memorável contra John Malkovitch), não porque ele represente o "lado do bem", mas porque, justiça seja feita, os melhores têm de vencer.
Será que isso acontece na vida real? Tendo a acreditar que sim. Se algum gênio não foi recompensado, houve motivos consideráveis para que isso acontecesse. Tratava-se de uma personalidade inconstante, quem sabe; de alguém que se desinteressava das coisas antes mesmo de começar, talvez; de um espírito especialmente autodestrutivo... Não sei. Sei que é permanente a escassez de gênios na humanidade, e que, por isso mesmo, é mais fácil existirem gênios falsos do que injustiçados.
Em todo caso, para voltar ao assunto, vi dois documentários recentemente lançados em DVD, mostrando a obra de dois gênios reais. O primeiro é o arquiteto Frank Gehry, autor do Guggenheim de Bilbao, uma das obras arquitetônicas mais espetaculares que um ser humano poderia conceber. O filme se chama "Esboços de Frank Gehry", e foi dirigido por Sidney Pollack. Pelo mesmo selo (Imagem Filmes), saiu agora um documentário sobre a fotógrafa Annie Leibovitz, com direção da irmã, Barbara Leibovitz. O nome de Annie Leibovitz é, sem dúvida, menos conhecido do que algumas fotos que ela tirou.
Acho que está na memória de todo mundo -mesmo dos que não são beatlemaníacos- a imagem de um John Lennon pelado, em posição fetal, beijando uma Yoko Ono de olhos fechados, cabelos soltos, completamente vestida de preto.
Foi capa da revista "Rolling Stone".
Fiquei sabendo, pelo documentário, que Annie Leibovitz tirou esse retrato poucas horas antes de Lennon ser assassinado.
Outra foto famosa de Annie Leibovitz foi a de uma Demi Moore gravidíssima, na capa da revista "Vanity Fair". Sabemos, pela edição de uma antologia da revista "Casseta Popular" (editora Desiderata), que até o comediante Bussunda parodiou esse retrato.
O que mais impressiona, vendo o documentário sobre Annie Leibovitz, é o profissionalismo da personagem. As frases curtas, os óculos pretos e pequenos, o rosto seco, o nariz forte, o corte duro dos lábios, nada nela parece dar margem a hesitações e dramas. Assim como sua companheira de muitos anos, a ensaísta Susan Sontag, essa fotógrafa sabe exatamente o que quer.
Aprendemos, no documentário, que a família Leibovitz tinha mania de documentar tudo em filminhos super-8. Do mesmo modo, o pequeno Frank Gehry, antes de se transformar num dos grandes arquitetos do mundo, brincava com pedacinhos de madeira ao pé da lareira.
Fazia cidades e edifícios com os gravetos e lascas à sua disposição.
Há algo de comovente nesse ímpeto infantil, nesse verdadeiro "chamado" que o talento cegamente impõe sobre seus escolhidos.
Mas um livro que acaba de ser lançado no Brasil lança outra luz sobre a questão. "Fora de série", de Malcolm Gladwell, mostra que o talento natural não basta.
Mesmo Mozart, o mais espantoso espécime musical produzido pela humanidade, demorou 20 anos para criar a primeira grande obra, o "Concerto para Piano nº 9".
Malcolm Gladwell elogia certa "teoria das 10 mil horas", segundo a qual, ainda que você seja talentoso, só alcançará o real sucesso se se dedicar como louco a treinar-se naquilo em que é realmente bom.
Parece que os nascidos em janeiro, pelas pesquisas de Gladwell, dão-se melhor no hóquei e no futebol. Os processos de seleção favorecem os nascidos nessa época, que, aos dez anos, são mais maduros e grandinhos, se comparados aos que vieram ao mundo em junho ou julho.
Cria-se, em todo caso, uma ciência do sucesso individual. E uma filmografia também. Fico horrorizado diante de tamanha reverência; mas meu maior medo é terminar acreditando em tudo isso.

coelhofsp@uol.com.br


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