São Paulo, domingo, 07 de fevereiro de 2010

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Mônica Bergamo

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Eu quero mais

Entre cachês de R$ 300 mil e fãs que "tatuam" seu nome com ferro de passar, Claudia Leitte enfrenta as provações da fama sem tirar o pé do chão.

Por Adriana Küchler

Fotos Mastrangelo Reino/Folha Imagem
Claudia Leitte desembarca de seu jato para fazer show em São Paulo: ‘Diziam que eu dançava como a Daniela Mercury e cantava como a Ivete Sangalo’

A bolsa estourou no voo, pouco antes da chegada ao Rio, na escala da viagem SP-Salvador. O casal desceu do avião, descolou um carro e se apressou para a clínica médica de um parente em São Gonçalo. Na ponte Rio-Niterói, a polícia parou o carro. "O senhor sabe que está acima da velocidade?", disse o oficial. "E o senhor sabe que a minha filha vai nascer aqui no banco de trás?", respondeu o homem. "Botaram dois batedores na frente, uma viatura atrás. E eu fui nascer assim", narra Claudia Leitte, depois de aterrissar em São Paulo para fazer um show, no último dia 28.

 


Passados 29 anos, a correria continua. A cantora pousa em Congonhas com seu jatinho, um Phenom 100 da Embraer. Vem com o marido e empresário, Marcio Pedreira, o piloto, a produtora e um segurança.

 


Claudia ganha cachê de R$ 300 mil, em média, por show [faz 15 por mês] e reuniu 700 mil pessoas em uma apresentação na praia de Copacabana na estreia de sua carreira solo, em 2008. Realizou não só o sonho do avião próprio, mas também do estúdio, da academia e da fonoaudióloga próprios. "Não é luxo, é conveniência", diz.

 


Levando a tiracolo a bolsa Louis Vuitton, sapatos Louboutin nos pés e colares de ouro no pescoço, conta que "descobriu" que era cantora aos três anos quando, numa churrascaria, esperou o músico ir ao banheiro para tomar o microfone e cantar de improviso "Emília, a Boneca Gente", do "Sítio do Pica-Pau Amarelo".

 


Da churrascaria ao estrelato, também teve de improvisar. Usava como figurino maiô de natação adornado com miçangas de camelô e lia revistas de moda. "Só que a revista era toda grifada, só Dolce&Gabbana. E eu lá com a minha roupa da Baixa do Sapateiro [zona de comércio popular de Salvador]."

 


No começo, até a mãe, Ilna, criava problema. "Ela tinha medo porque a década de 80 foi punk: Aids, drogas... Os artistas todos usando drogas", diz. "Mas hoje ela sabe que esse lado negro da força existe em qualquer profissão."

 


Preconceito superado, Claudia se jogou na carreira. Cantou nas bandas Nata do Samba e Companhia do Pagode, antes de garantir dedicação exclusiva ao axé e ganhar fama como vocalista do grupo Babado Novo.

 


A caminho do show, num Dodge Journey preto com placa de Lauro de Freitas (BA), fala de outra pedra no caminho do estrelato no axé: a comparação com outras cantoras. "Diziam que eu dançava como a Daniela Mercury e cantava como a Ivete Sangalo. Eu ficava tão incomodada que, num Carnaval, vi Ivete com uma roupa parecida com a minha e disse: "Não vou sair com essa. Pode fazer outro vestido"." Hoje, desencanou. "Todo mundo faz tudo parecido mesmo."

 


Na chegada ao Via Funchal, fãs que pagaram ingressos entre R$ 140 e R$ 250 gritam e choram só de olhar para ela. Claudia manda beijo, tira foto, chama vários pelo nome. "Uma eu apelidei de Franga", conta, sobre uma menina que comeu os restos de um prato deixado por ela na porta de um quarto de hotel e foi para a frente do prédio com uma faixa: "Claudinha, eu comi seu frango".

 


Pois Claudia agrega uma turma ainda mais radical: fãs retirantes que chegam a se mudar para Salvador. Eles se juntam em grupos de quatro ou cinco para dividir um apartamento, só pra ficar mais perto dela, explica Paulo Arthur -funcionário responsável, entre outras coisas, por verificar se não há fãs escondidos debaixo das camas de Claudia nos hotéis. Outra "mania" dos admiradores de Claudia é tatuar o nome da ídola com ferro de passar quente ou com um líquido ácido que sai da castanha de caju. "Fico lisonjeada. Mas digo que eu sei do amor, que num precisa fazer isso na pele", diz a cantora.

 


Claudia só se coloca plenamente no papel de fã ao falar do filho, Davi. "Ô, pai, me mostra essas fotos aí", pede ao marido, que traz as fotografias do aniversário de um ano do garoto. "Ele não existe. É um anjo. Até o cocô do Davi é lindo", suspira.

 


Há alguns meses, a cantora viveu a "pior fase de sua vida", quando Davi foi internado com meningite. Houve quem a criticasse, ligando a doença do bebê às turnês da mãe. "É ridículo. As doenças, as maldades do mundo, elas estão no ar. Isso é coisa de gente desocupada. Cabeça vazia, terra do cão." O menino se recuperou e não freou o ritmo de shows da cantora, que descia do trio elétrico para esvaziar o leite do peito.

 


Nesta temporada, as preocupações são mais frugais. Negocia a presença de Jesus Luz, o namorado DJ de Madonna, para tocar em seu trio no Carnaval. Diz que falou com ele, mas ainda não fechou nada. Outra parceria já deu certo: acaba de gravar com Caroline Celico, mulher do jogador Kaká e pastora da igreja Renascer, uma música sobre a amizade entre as duas. Pelo Twitter, Claudia chama Kaká e Caroline de primos [o sobrenome do jogador também é Leite] e, para delírio de fãs fanáticos dos dois lados, troca com eles mensagens públicas no microblog: "kd "kerol", primo? Saudade de vcs. Vc é o melhor do mundo!"

 


Um dos fatores de aproximação foi a fé dos três. A cantora não se diz religiosa, mas cogita fazer faculdade de teologia "por correspondência". Antes de entrar em cena, comanda oração com músicos e dançarinos. Se o tempo é curto, a reza é proferida por rádio ou celular: alguém diz uma mensagem, que os outros ouvem à distância.

 


A prece acaba e ela entra no palco com um collant brilhante de cristais Swarovski ao estilo "Beyoncé". Entoa seus hits e covers alheios. Até que, na beira do palco, onde um ventilador mantém seu cabelo esvoaçante, corta o joelho com um caco de vidro. Mesmo sangrando, não para de pedir ao público: "Levanta, sacode, balança!"

 


"Beijar na Boca" ["Eu quero mais/ é beijar na boca (...) Meter o pé na jaca sem ter que me preocupar"] é um dos hits que mais empolgam a plateia, mas para Claudia suas letras não incentivam ninguém a beijar 20 na mesma noite ou a beber até cair. "Uma vez, vi uma menina linda vomitando, outra carregada. Tem gente que é a primeira vez que comeu a água dura [bebida alcoólica], mas tem gente que faz sempre, que o pai deixa. Não é do Carnaval. É da educação", diz. "Mas, quando tô lá em cima, tô fazendo a música, não fico olhando muito."


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