São Paulo, domingo, 07 de fevereiro de 2010

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Relato íntimo de Norma Bengell

Depois de brigar com a Justiça por causa do filme "O Guarani" e sofrer crise nervosa em cena, Norma Bengell volta ao teatro no drama "Dias Felizes"

Daryan Dornelles/Folha Imagem
A atriz Norma Bengell, 74, que fará "Dias Felizes", posa em sua casa, na zona sul do Rio

LUCAS NEVES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Personagem central da peça "Dias Felizes", de Beckett, Winnie deita a falar para se convencer de que está viva e, ao mesmo tempo, livrar-se dos fantasmas existenciais que chegam na carona do silêncio.
Presa a uma montanha de terra em que se empilham frustrações e mágoas, improvisa platitudes a partir dos objetos que saca da bolsa. Batom, escova de dente e revólver são fiapos de vida que a impedem de sucumbir -"terá sido mais um dia feliz", certifica-se a toda hora, até que o segundo ato rarefaça seu otimismo sorridente.
A conversa com Norma Bengell, 74, desenha uma curva dramática parecida. A atriz interpreta Winnie em montagem que estreia no dia 27, em São Paulo. Na sala de sua casa na Gávea, zona sul do Rio, ela recebe a reportagem amparada por um ajudante. Recupera-se de uma operação na coluna, para tratar uma compressão da medula. Anda com dificuldade.
"Estou bem, ótima até, perto do que poderia ter sido. Na piscina, ando como uma sílfide."
O entusiasmo se mantém por quase todo o "primeiro ato". É o período em que ela lança nomes próprios e títulos de filmes e peças como iscas para o interlocutor pescar anedotas de sua carreira -antes de comentar um passado mais recente, de crises nervosas em cena e imbróglios com a Justiça.
Manequim, vedete de teatro de revista e cantora (gravou quatro LPs) nos anos 50, Norma conheceu o cinema na chanchada "O Homem do Sputnik" (1959). Virou musa três anos depois, na esteira do nu frontal de "Os Cafajestes", que teve filmagens atrapalhadas por aviões da Marinha (os militares queriam avistá-la ao natural) e um tímido assistente de direção a circular com o "Livro Vermelho" de Mao Tse-tung: Celso Amorim, hoje ministro das Relações Exteriores.

Delon "homemrengo"
Ainda em 1962, entrou no radar do produtor italiano Dino de Laurentiis graças ao sucesso internacional de "O Pagador de Promessas", no qual tinha um papel pequeno. Ele a encaixou em "O Mafioso", ao lado da estrela local Alberto Sordi.
Nas filmagens, na Sicília, conheceu Alain Delon, que rodava "O Leopardo". "Ele se achava lindo, eu mais ainda. Era um show de narcisismo", descreve, coquete. "Quando ele quis casar, disse não. Era mulherengo, "homemrengo", tudo!"
Na volta da temporada italiana, em 68, encarnou a prostituta-título da peça "Cordélia Brasil". "Confundida" com uma subversiva, foi sequestrada na porta de um hotel paulistano e levada para o DOI-Codi do Rio.
"Foi barra pesada. Eles [militares] me politizaram. Agradeço, porque virei uma fera!", diz, subindo o tom. "Não dá! Na França, nos anos 70, quando os jornalistas me abordavam, só falava que na minha terra tinha tortura. Fiquei psicótica."
A serenidade começa a deixar os olhos de Bengell. É o fim do "primeiro ato".


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