São Paulo, sábado, 7 de fevereiro de 1998

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"A Voz do Samba" compila obra do cantor

da Reportagem Local

Aos 84 anos, o sambista carioca Jamelão nem quer ouvir falar na compilação "A Voz do Samba", resumo da gravadora Continental, em três CDs, de um período de 33 anos de sua carreira.
"Não sei se gostei ou não gostei, não quero falar nada sobre esse troço aí. Eu não estou nessa, já estou em outra gravadora, a RGE. O que tem nessa caixa foi feito há muitos anos, quando eles não fizeram nada por mim", resmunga à Folha, argumentando que tem outro compromisso e não quer falar.
É o retrato de Jamelão, artista que, mais reconhecido pelo senso comum como puxador de escola de samba -denominação que ele abomina- que como cantor, sempre prescindiu de rapapés que garantam sua permanência no chão de estrelas da MPB.
Jamelão iniciou-se na música aos 15 anos, como integrante da bateria da Mangueira. Só em 1949, aos 36, foi estrear em disco. Pois "A Voz do Samba" vem entregar a público o cantor, não o puxador ou a figura folclórica que todo ano avisa a qualquer desavisado que a Mangueira vai entrar em campo.
A caixa abrange -com muitas lacunas- a obra de Jamelão desde sua estréia na Continental, em 1954. Os três CDs são dispostos de forma mais ou menos conceitual.
No primeiro, vem o rótulo execrado pelo artista, o de puxador -é uma compilação de sambas-enredo gravados entre 74 e 76.
Contam-se aí clássicos do samba de avenida, como "Apoteose ao Samba", "Macunaíma" ("Vou- me embora, vou-me embora/Eu aqui volto mais não/Vou morar no infinito/E virar constelação") e "No Reino da Mãe de Ouro", de Tolito e Rubens da Mangueira.
A voz de Jamelão -parodiando sua personalidade- adequa-se apenas em parte ao propósito não raro ufanista dos sambas-enredo. Ríspida, oscila entre o respeito às convenções de avenida e a ironia embalada num cantar intuitivo, aparentemente displicente.
Fenômeno parecido pode se perceber no CD 2, todo dedicado à obra daquele de quem Jamelão é considerado o maior intérprete: o gaúcho Lupicinio Rodrigues.
Ambos se descobriram nos 60 -a bossa nova já havia eclodido. Seu modo de cantar Lupicinio oscila, novamente, entre disciplinado e sarcástico, entre os pulmões da tradição e a maciez da bossa.
O terceiro CD, mais diversificado, demonstra que mesmo antes da bossa ele já era um cantor de meio-termo. Em peças cruciais dos anos 50, já evidenciava certo descolamento às normas de canto impostado dos mestres antigos.
Talvez por nunca se filiar a qualquer dos partidos, atravessou décadas de independência, a ponto de esnobar, desinteressado, um memorial de sua obra. O memorial está aí, seja como for. (PAS)

Caixa: A Voz do Samba Artista: Jamelão Lançamento: Continental Quanto: R$ 55, em média


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