São Paulo, domingo, 07 de março de 2004

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MODA

Prêt-à-porter europeu abandona luxo e sexualidade ostensivos e investe fichas em criatividade de talentos individuais

Novo chique adota descontração calculada

ERIKA PALOMINO
ENVIADA ESPECIAL A PARIS

O prêt-à-porter europeu é uma indústria acossada pela crise, pela queda no consumo e na confiança dos compradores globais, bem como pelo crescimento do marketing em detrimento de pequenas iniciativas pessoais, e mesmo pelo poder dos megaconglomerados no mercado.
Além disso, uma propalada crise nas idéias, com excesso de imagens retrô decalcadas de um passado nem tão distante. E, com o euro mais valorizado, compradores norte-americanos gastam menos, gerando menos volume de negócios. Bem, essas são as más notícias.
A boa é que nada disso está tirando o entusiasmo diante do que está sendo visto nas passarelas de Milão e de Paris, nos desfiles de outono-inverno 2004/2005, que terminam oficialmente na próxima terça-feira.
Talvez algo nunca visto na história da moda, são vozes individuais que ajudam a definir esse momento, em que a criatividade e o talento dos designers oferecem, também como nunca, diversidade e opções para diferentes tipos de consumidores. A moda é livre, enfim, e a busca da beleza e da expressão pessoal surgem como objetivos primordiais.
Trata-se de uma estação mais de itens, de boas peças em cada coleção, do que propriamente de tendências uniformizantes. Assim as marcas saem fortalecidas, e cada cliente encontra o que quer -em algum lugar. Criatividade dos designers, delírio de quem faz a imagem da moda nas revistas, desejo de compra. Bingo. A equação é a mesma de sempre: a engrenagem volta a funcionar.
A chave para esse momento é o novo luxo, uma nova idéia para a elegância e para o chique, bem como para o sexy, que não deve mais ser ostensivo. Nada mais deve ser ostensivo, nem mesmo as peles de animais, que (como se diz num jargão brega da moda) "voltaram com tudo"; elas ganham outra atitude, como visto no desfile do poeta urbano da moda, o austríaco Helmut Lang, com peles brancas que envolvem e protegem as mulheres nas selvagens metrópoles de hoje.
Nonchalance, um necessário ar casual, uma boa dose de descompromisso, ainda que calculado. A nova elegância encontra seu eixo no caimento dos tecidos -malhas, veludos, cetins, musselinas, jérseis. Tudo deve ser solto, molengo, descontraído em sua origem. O que não significa pouco sofisticado. Veja o caso da Prada, por exemplo, que vem com um elã quase insolente de tão planejado -daí a imagem da brasileira Raquel Zimmermann abrindo o desfile, intencionalmente metida, de nariz em pé.
A roupa custa uma fortuna, mas é usada quase com desinteresse. Um mantô vem com brocados intencionalmente exagerados, mas em lugares engraçados, como os cotovelos; ou aparece com as mangas informalmente dobradas, como quem vai lavar as mãos. É rico, é certo, mas o modo de comunicar isso é diferente.
Da mesma forma, criam-se gigantescos degraus entre quem conjuga o novo e o velho vocabulário, como da Marni para a Versace, por exemplo. O descolado artístico versus o sexy exagerado.
Mesmo o desfile final de Tom Ford para a Gucci, em clima de retrospectiva, ressaltou e marcou o fim de uma era, uma imagem excessivamente "polida" que ao perfume de hoje se mostra desconfortavelmente "de ontem" -para usar outra gíria do povo fashion.
Dessa armadilha, escapou a Dolce & Gabbana, encantando ao citar o imaginário do fotógrafo alemão Helmut Newton, morto há dois meses, por sua vez um dos nomes que ajudaram a celebrizar o famoso look masculino e a feminilidade de Yves Saint Laurent.
Com belíssimos vestidos brilhosos de festa, a marca italiana instala um glamour com especial senso de ocasião. Um círculo se fecha.
Como na moda não existem coincidências, mas confirmações e idéias no ar, o próprio Yves Saint Laurent volta com sua fundação (prevista para ser aberta neste fim de semana em Paris), onde todo o seu arquivo fica disponível para quem quiser pesquisar. Recluso desde que se retirou da alta-costura, ele concedeu entrevista ao jornal "WWD", onde confirma a volta do chique: "Nesses três anos, eu olhei todas as revistas e jornais e vi coisas assustadoras. Mas agora tenho a impressão de que algo está mudando, está mais elegante. Vejo coisas que são chiques, há coisas belas", admite o estilista.
Um dos nomes que pode funcionar como exemplo deste momento é o excepcional talento do jovem belga Olivier Theyskens à frente da maison Rochas, com uma imagem extremamente feminina e elegante, refletindo a corrente vontade de sofisticação das mulheres de hoje. É prova de que há vida inteligente no Planeta Fashion. Ufa.


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