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TELEVISÃO
O novelista Lauro César Muniz, 68, afirma que o "monopólio" global é "nocivo e perigoso" e diz não acreditar em Deus
"A Globo se preocupa mais com religião do que a Record"
DA REPORTAGEM LOCAL
Neste trecho da entrevista, Lauro César Muniz diz que a Globo,
onde trabalhou por 33 anos, "está
mais preocupada com religião do
que a Record", que é da Igreja
Universal. Ele cita novelas ligadas
ao espiritismo -"Alma Gêmea",
"A Viagem" e "América"- e a
minissérie "JK", que considera
"engajada no catolicismo".
Afirma que achava mais problemático receber salário da Globo
quando "a emissora era absolutamente ligada à ditadura militar"
do que ser agora um contratado
do bispo Edir Macedo. Leia abaixo.
(LAURA MATTOS)
Folha - O sr. enfrenta censura?
Lauro César Muniz - Na Record,
não sofri nenhum tipo de censura
até agora, apesar de muito se falar
sobre o controle da Igreja Universal. A igreja nunca sugeriu qualquer possibilidade de subliminarmente se fazer presente em alguma novela. Preste bem a atenção:
quem está preocupado com religião? Não é a Record, é a Globo.
No "Vale a Pena Ver de Novo", estão reprisando "A Viagem", que é
uma espírita. "Alma Gêmea" tem
uma pincelada espírita, assim como tinha "América". "JK" é uma
engajada no catolicismo. O que
você viu na Record com alguma
citação, ainda que subliminarmente, da Igreja Universal? Nada.
Pode ser acaso, pode não ser. Eu
queria colocar um padre surdo
em "Cidadão Brasileiro", o que,
ampliando, você imagina o que
seja: ele não ouve confissões, não
dá respostas... Desisti, ninguém
me disse "não". Mas na cidade cenográfica tem uma igreja católica,
e é o maior prédio do local.
Folha - Como é para um ex-membro do Partido Comunista receber
salário do bispo Edir Macedo? Isso
já foi um problema na sua cabeça?
Muniz - Já foi quando eu estava
na Globo e recebia dinheiro de
uma emissora absolutamente ligada à ditadura militar. Se for
pensar assim, ninguém trabalha.
Folha - O sr. tem alguma religião?
Muniz - Não. Sou materialista,
não acredito em Deus.
Folha - Ainda acredita na velha
frase "A religião é o ópio do povo"?
Muniz - Já acreditei muito nisso.
Hoje eu acho que não mais.
Folha - Então passou a achar que
a religião tem o seu papel?
Muniz - Ela é importante nas
guerras. A religião faz mais guerra
do que qualquer instituição. Veja
o que está acontecendo agora, pelo amor de Deus! Olha eu falando
"pelo amor de Deus!" Viu, não
sou tão materialista assim (risos).
Folha - Casal gay virou moda em
novelas da Globo. Poderia abordar
esse tema na TV da Universal?
Muniz - Não criei um casal gay
na Record, mas se criar, vai ao ar.
Folha - Dessa maneira positiva
que a Globo tem mostrado?
Muniz - [pausa] Não sei. Mas
acho que na Globo também isso
pode ser levado até certo ponto.
Folha - O sr. saiu da Globo dizendo que "maquinações" o afastaram
do trabalho". O que aconteceu?
Muniz - Houve uma incompatibilidade intelectual com o Mário
Lúcio Vaz [diretor-geral artístico
desde 2000]. O que penso é o
oposto do que ele pensa. Isso tudo
que eu estou falando aqui ele acha
que é desprezível. Penso diferente
do grupo que hoje define os caminhos da telenovela na Globo. Eles
estão querendo mexicanizar a novela brasileira, talvez para vender
mais para o exterior. Numa reunião da Globo, em que estava com
vários colegas, ouvi um diretor
-e não me peça para falar qual-
dizer com toda clareza: "Estamos
caminhando para a mexicanização de nossas novelas intencionalmente". A estrutura mexicana
é pobre. É vendida para o mundo
todo, mas para ser veiculada de
manhã, a um público restrito.
Folha - Acha que "Cidadão" tem
chance de vencer a Globo no Ibope?
Muniz - Acho que vai perder feio.
Se conseguir 12, 13, 15 pontos, estou muito feliz. Vou competir
com o "Jornal Nacional", que é
uma instituição, e a novela das oito, que está com boa audiência e
estará na fase final. "Belíssima"
tem um elenco estelar. O meu é
bom, não estelar. Não tem a menor chance. Seria um absurdo,
contra a lei da gravidade. Mas é
bom lembrar que não é Olimpíada, quero criar um caminho.
Folha - O sr. foi a um almoço com
FHC (2000) criticar a portaria 796,
considerada censura por obrigar a
TV a exibir programas em horários
determinados pelo governo. Hoje,
a que causa emprestaria sua grife?
Muniz - Já estou emprestando ao
contribuir para tentar acabar com
o monopólio da Globo, que é terrível, nocivo. Quando a Record
começou a crescer, os autores da
Globo passaram a ter um reconhecimento maior lá dentro, a ser
mais valorizados, seus salários foram rediscutidos. Com atores,
houve a mesma coisa. Lutar contra esse monopólio transcende
qualquer problema pessoal que
possa ter tido na Globo. E meu
problema foi com o Mário Lúcio e
não com a emissora. Se conseguirmos levantar a Record, todo
mundo vai ganhar, sobretudo o
público. Como em qualquer área,
o monopólio é perigoso, porque a
Globo faz o que quer, e o espectador não pode ver outra coisa. A
Globo pode eleger o próximo presidente da república se quiser. Ela
já elegeu e pode eleger de novo.
Folha - O sr. acha que a Globo elegeu Fernando Collor?
Muniz - Elegeu e destituiu. É extremamente perigoso para o país
ter um poder tão imbatível.
Folha - O que pensa de a Record
lutar contra a Globo com a programação clonada justamente dela?
Muniz - É uma estratégia que está dando certo, mas tenho certeza
de que a Record vai encontrar a
sua cara com um tempo.
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