São Paulo, terça-feira, 07 de março de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SEM FRONTEIRA

Mostra reúne trabalhos de 17 artistas, a maioria de países muçulmanos

MoMA debate a imagem do islã na arte contemporânea

Divulgação
Imagem da artista iraquiana radicada em Londres Jananne al Ani; obra está em exibição na mostra "Without Boundary", no MoMA


ERIKA SALLUM
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE NOVA YORK

Em tempos conturbados nos quais charges de um jornal desconhecido da Dinamarca são capazes de gerar inflamados protestos no mundo todo, o Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA, abre uma exposição, que se pode considerar corajosa, para debater a imagem do islã na arte contemporânea.
"Without Boundary" (sem fronteira) reúne obras de 17 artistas nascidos em países como Iraque, Irã, Paquistão, Líbano e Egito, entre outras nações muçulmanas, mas que não cresceram ou vivem em sua terra de origem. A maioria mora na Europa e nos EUA e não mantém necessariamente laços estreitos com o islamismo. A intenção é levantar um debate sobre o que a arte islâmica significa aos olhos ocidentais.
"Dá-se o nome de islâmico a tudo aquilo feito por artistas que vêm de países tão culturalmente distintos e geograficamente distantes quanto Indonésia, Marrocos e Paquistão. Falar em "arte islâmica contemporânea" é tão reducionista quanto chamar de "arte cristã" os trabalhos de europeus e americanos", avalia a curadora Fereshteh Daftari, em um texto de sua autoria sobre a exposição.
Sem nenhum tipo de censura, o museu pediu aos participantes para realizarem ou selecionarem obras já prontas que de alguma maneira abordassem a temática. O resultado é uma mostra surpreendente, em que pré-conceitos (e, claro, preconceitos) são postos de lado numa busca por interpretações mais consistentes do como o termo islã se reflete na arte feita atualmente.

Americanos participam
"Nosso primeiro questionamento é se uma obra deve ser rotulada de islâmica apenas por causa da nacionalidade de seu autor. Ou ainda se é algo mais relativo à prática estética, como uma tapeçaria", afirma Daftari. Essas perguntas parecem ter respostas fáceis quando se pensam em artistas nascidos em Teerã ou Beiture. Mas e quando o autor é um norte-americano?
Para aprofundar o debate, o MoMA incluiu entre os expositores dois artistas dos EUA, que curiosamente apresentam trabalhos bem mais "islâmicos" que muitos dos outros presentes na mostra. Nascido no Michigan, Kelley alterou uma tapeçaria tipicamente muçulmana, substituindo (e, como está explicado na legenda, subvertendo) a cor original vermelha pelo verde, numa referência a suas raízes irlandesas.
Viola, natural de Nova York, fez uma videoinstalação em que duas telas opostas exibem um mesmo homem molhando a cabeça na água, vestido com camisetas diferentes, de cores vermelha e azul. No som, repete-se uma frase de Jalal al din Rumi, poeta místico persa do século 13: "Aquele que só vê sua própria imagem refletida na água não é um amante".
Das peças mais polêmicas, considerando a reação às charges, talvez a mais intrigante seja a da libanesa Mona Hatoum, intitulada "Keffieh", nome que se dá ao pano preto-e-branco usado pelos árabes. Parte do turbante foi confeccionado com fios de cabelo de mulheres árabes. Shirin Neshat, do Irã, ampliou uma foto de uma muçulmana que, no lugar do brinco, usa um revólver. No seu rosto, escreveu versos da poeta Tahereh Saffarzadeh, cuja obra sempre defendeu o islã, rejeitando valores ocidentais.
A divertida videoinstalação da palestina Emily Jacir é formada por duas telas de TV que exibem o cotidiano de pessoas em Ramallhah (Palestina) e em NY. São cenas parecidíssimas, como que filmadas num mesmo país, de lugares como um salão de beleza, um escritório e um bar. À primeira vista, não se sabe ao certo qual fica no Oriente e qual mostra os EUA. O embaralhamento dissipa clichês que demarcam esses dois mundos. Ao menos na arte, as fronteiras culturais e geiográficas deixam de ser tão demarcadas.


Texto Anterior: Dança: Evento tem espetáculos e palestras
Próximo Texto: Lescher mostra "rios" em galeria
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.