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CARLOS HEITOR CONY
Imprensa precisa ter lei?
Gostaria de lembrar um caso pessoal, um julgamento do STF em 23 de setembro de 1964
VOLTA À discussão a necessidade ou não de uma Lei de Imprensa, assunto recorrente e
atribuído genericamente aos regimes totalitários. Não entendo nada
dessas coisas, mas gostaria de lembrar um caso pessoal, reportando-me a um julgamento do Supremo
Tribunal Federal em 23 de setembro de 1964, tal como consta na obra
de Jardel Noronha de Oliveira e
Odaléa Martins, "Os IPMS e o habeas corpus no Supremo Tribunal
Federal" (1967, volume 1, páginas
143 e seguintes).
Por iniciativa do então ministro
da Guerra, general Costa e Silva, fui
processado como incurso num dos
artigos da Lei de Segurança Nacional devido a artigos que publicara no
"Correio da Manhã" desde o dia 2 de
abril de 1964 e que foram considerados caluniosos aos militares que deram o golpe daquele ano.
Apesar da truculência do ato institucional que inaugurou o regime ditatorial, ainda havia escombros de
legalidade e eu tive o direito de aceitar o apoio de um jurista famoso, o
ex-ministro do STF Nelson Hungria, que se ofereceu graciosamente
para me defender junto àquela corte.
Transcrevo a petição inicial com
que ele impetrou o habeas corpus
que me livraria da Segurança Nacional, desclassificando o processo do
ministro da Guerra de me punir
com os rigores daquela lei, fazendo o
caso correr pela Lei de Imprensa,
pela qual seria condenado, como de
fato o fui, a apenas três meses de detenção:
"Tendo o paciente publicado uma
série de artigos no "Correio da Manhã", em veemente crítica aos chefes
militares e seus agentes de farda
que, após a chamada "Revolução de
1º de abril", assumiram o Poder e teriam passado a cometer erros e arbitrariedades, desmandos e iniqüidades, veio ele a ser denunciado perante a referida Vara Criminal, como incurso no art. 14 da Lei de Segurança
(Lei nº 1.802, de 1953), combinado
com o art. 51 do Código Penal, sob
fundamento de haver provocado
animosidade entre e contra as Classes Armadas; e a denúncia logrou ser
recebida tal como nela se contém,
abstraindo o Juiz o conhecido pronunciamento desta egrégia Corte da
Justiça, no sentido de que, quando
feita pela imprensa, e seja realmente
reconhecível, (o que não ocorre no
caso vertente), a provocação de animosidade entre ou contra as Classe
Armadas, ou destas contra as classes
civis, deixa de se enquadrar na Lei de
Segurança para incidir no art. 9. letra a, da Lei de Imprensa (Lei nº
2.083, de 1953). Tal critério de decisão foi, como é sabido, adotado
quando do julgamento do habeas
corpus, nº 37.522, impetrado em favor dos jornalistas Prudente de Morais Neto e João Portela Ribeiro
Dantas.
O próprio ilustre procurador-geral da República, por cujo intermédio foi uma representação de S. Exa.
o ministro da Guerra, relativa ao caso, enviada ao ilustre dr. procurador-geral do Estado da Guanabara,
ressalvou expressamente que os fatos atribuídos ao paciente constituíam violação do citado artigo da
Lei de Imprensa; mas o promotor
escolhido para o caso, depois de, por
conta própria e gratuitamente, injuriar o paciente, dizendo-o a serviço
dos "corruptores e subversivos" do
governo deposto, para solapar as
"forças revolucionárias" confundidas
estas no texto da denúncia com as
classes militares, voltou as costas ao
ofício do chefe do M.P. Federal, para
pedir contra o paciente o rigor da Lei
de Segurança, tendo o titular da Vara recebido sem discrepância a denúncia. Assim, ao invés de simples
detenção, de um a três meses, com
prescrição da ação penal em 2 anos
(art. 88 da lei 4.119, de 1962) e com
direito à suspensão condicional da
pena e fiança (para poder apelar no
caso de eventual condenação), e sem
a obrigação de estar presente aos
trâmites do processo (art. 35,parágrafo 2º. da Lei 2.083), está o paciente correndo o risco de ser condenado à grave pena de reclusão, de 1 a 3
anos (art. 14 da Lei de Segurança),
sem qualquer dos benefícios acima
referidos.
Manifesto o iminente constrangimento ilegal, o impetrante espera
que seja deferido o habeas corpus,
para o fim de ser retificada a denúncia contra o paciente, capitulando-se os fatos imputados no art.9, letra
a, da Lei de Imprensa, consoante a
jurisprudência deste Colendo Pretório. (a) Nelson Hungria."
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