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Comentário/"A Grande Família" e "BBB"
Programas, no fundo, são aparentados
RAFAEL CARIELLO
DA EQUIPE DE EDITORIALISTAS
Todo verão, de uns anos para cá, tem sido assim.
Enquanto os participantes do "Big Brother Brasil"
(classificação: 14 anos) invadem com seus gritos estridentes a programação noturna da
TV Globo, a simpática "A Grande Família" (livre) faz as malas,
embarca no seu Monza 89 e tira
alguns meses de férias.
Os dois programas parecem
de fato irreconciliáveis, fenômenos opostos de um mesmo
momento vivido pelo país.
Há bastante da tão falada
classe C no clã de Lineu Silva e
seus agregados. Naquele subúrbio utópico do Rio de Janeiro
vive o que até recentemente se
chamava de classe média baixa
-ou "remediada".
O apelo do programa, no entanto, não mora apenas aí. Se é
verdade que tem aumentado
bastante a fatia da população
que pode ser imediatamente
identificada com aquela condição de vida -casas simples, carros antigos, algum dinheiro extra que pode ser despendido
em diversões baratas -, também é fato que falta ao seriado
um traço fundamental da ascensão da nova classe média.
Quase não há consumo e ostentação em seus episódios. A
competição desenfreada por
status, que sempre marcou a
sociedade brasileira e se alastrou para os estratos mais pobres da população, está ausente
dos dramas da família.
Não deixa de ser um descanso -e vem daí, acredito, boa
parte da sua simpatia e apelo. É
isso que causa prazer e conforto ao nos identificarmos com as
agruras domésticas da família.
Fica fora desse universo a agonia cotidiana de se encaixar em
padrões de consumo e sucesso
profissional. Ali, o automóvel
velho e bem cuidado tem seu
valor, é quase um símbolo de
dignidade, bem como as roupas
de décadas passadas do taxista
Agostinho (Pedro Cardoso).
Competição, é claro, é o que
não falta ao "Big Brother Brasil". Tampouco estão ausentes
os carros de último tipo, a enumeração de marcas e produtos,
o merchandising onipresente
-que conta com o apoio voluntário dos participantes, ansiosos por mostrar sua integração
ao mundo do consumo.
O seu apelo, embora inverso,
não deixa de ser similar àquele
proporcionado por "A Grande
Família". Aqui também temos
uma folga da disputa cotidiana
por status, da competição desenfreada. Não por ela estar ausente da trama, mas justamente por podermos delegá-la
àqueles pobres sujeitos e apenas observá-los, terceirizando
a angústia da obrigação de vencer, a todo custo.
Pelo menos por algumas horas, ao fim de mais um dia de
trabalho.
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