São Paulo, domingo, 07 de março de 2010

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Comentário/"A Grande Família" e "BBB"

Programas, no fundo, são aparentados

RAFAEL CARIELLO
DA EQUIPE DE EDITORIALISTAS

Todo verão, de uns anos para cá, tem sido assim.
Enquanto os participantes do "Big Brother Brasil" (classificação: 14 anos) invadem com seus gritos estridentes a programação noturna da TV Globo, a simpática "A Grande Família" (livre) faz as malas, embarca no seu Monza 89 e tira alguns meses de férias.
Os dois programas parecem de fato irreconciliáveis, fenômenos opostos de um mesmo momento vivido pelo país.
Há bastante da tão falada classe C no clã de Lineu Silva e seus agregados. Naquele subúrbio utópico do Rio de Janeiro vive o que até recentemente se chamava de classe média baixa -ou "remediada".
O apelo do programa, no entanto, não mora apenas aí. Se é verdade que tem aumentado bastante a fatia da população que pode ser imediatamente identificada com aquela condição de vida -casas simples, carros antigos, algum dinheiro extra que pode ser despendido em diversões baratas -, também é fato que falta ao seriado um traço fundamental da ascensão da nova classe média.
Quase não há consumo e ostentação em seus episódios. A competição desenfreada por status, que sempre marcou a sociedade brasileira e se alastrou para os estratos mais pobres da população, está ausente dos dramas da família.
Não deixa de ser um descanso -e vem daí, acredito, boa parte da sua simpatia e apelo. É isso que causa prazer e conforto ao nos identificarmos com as agruras domésticas da família. Fica fora desse universo a agonia cotidiana de se encaixar em padrões de consumo e sucesso profissional. Ali, o automóvel velho e bem cuidado tem seu valor, é quase um símbolo de dignidade, bem como as roupas de décadas passadas do taxista Agostinho (Pedro Cardoso).
Competição, é claro, é o que não falta ao "Big Brother Brasil". Tampouco estão ausentes os carros de último tipo, a enumeração de marcas e produtos, o merchandising onipresente -que conta com o apoio voluntário dos participantes, ansiosos por mostrar sua integração ao mundo do consumo.
O seu apelo, embora inverso, não deixa de ser similar àquele proporcionado por "A Grande Família". Aqui também temos uma folga da disputa cotidiana por status, da competição desenfreada. Não por ela estar ausente da trama, mas justamente por podermos delegá-la àqueles pobres sujeitos e apenas observá-los, terceirizando a angústia da obrigação de vencer, a todo custo.
Pelo menos por algumas horas, ao fim de mais um dia de trabalho.


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