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Hisham Matar contrapõe pureza e brutalidade em meio à ditadura líbia
Romance narra infância de garoto durante governo de Muammar Gaddafi
MICHEL LAUB
ESPECIAL PARA A FOLHA
Histórias contadas por
crianças em meio à
guerra ou à opressão
costumam render por vários
motivos. O principal deles é a
contraposição entre pureza e
brutalidade, recurso em geral
obtido por meio de uma voz
calculadamente ingênua, cujas
lacunas acentuam um horror
nunca explícito e, por isso mesmo, ainda mais presente.
Tal equilíbrio não é sempre
pacífico, e é no caminho tortuoso para consegui-lo que estão
os méritos e defeitos do elogiado romance de estréia do americano de ascendência líbia
Hisham Matar.
O livro é narrado por Sulemein, um garoto de 9 anos, e
seu pano de fundo é a ditadura
de Muammar Gaddafi. No verão de 1979, o pai de Sulemein
se envolve com oposicionistas e
acaba preso. Com ingredientes
autobiográficos, já que o pai de
Hisham Matar passou por experiência semelhante, o livro
acompanha o processo de amadurecimento de Sulemein, que
se divide entre as brincadeiras
típicas de sua idade e os sentimentos conflituosos em relação à tragédia familiar.
O principal problema da trama é que esse amadurecimento
não parece um processo contínuo e crescente, como seria
praxe num romance de formação. A voz de Sulemein oscila
entre uma extrema ingenuidade e uma consciência às vezes
exagerada. Em certas passagens ele demonstra não entender, por exemplo, o porquê de
os amigos de seu pai estarem
sendo perseguidos; em outras,
ele reproduz com exatidão diálogos em que adultos explicam
em detalhes a situação da Líbia.
Como o romance é narrado do
futuro, é difícil acreditar que o
personagem lembrasse de todas aquelas palavras.
À medida que a história avança, porém, fica claro que o propósito do autor não é apenas a
denúncia do horror ditatorial
sob o filtro da doçura infantil.
Ao tratar de sua relação com a
mãe problemática, com o melhor amigo, com um mendigo
da vizinhança e um fantasmagórico agente da repressão, a
fala de Sulemein deixa de ser a
de uma vítima passiva e se torna o registro desconcertante de
um indivíduo em transformação, rumo a algo que não sabe
bem o que é, processo mais rico
e ambíguo do que sugere a mera alegoria política.
Ou seja, Hisham Matar escapa do modelo a que seu romance parece se filiar para dar a ele
uma dimensão mais original,
para além do espaço e do tempo
em que está situado. O horror
não é apenas o da Líbia em
1979, mas também o que cada
um é capaz de infligir aos outros e a si mesmo ao se tornar
adulto. Para Sulemein, isso significa deixar de acreditar que "o
inocente não tem motivo para
ter medo". Até porque ninguém é inocente, e todos agora
parecem ter medo disso.
MICHEL LAUB é autor de "O Segundo Tempo"
(Companhia das Letras).
NO PAÍS DOS HOMENS
Autor: Hisham Matar
Tradução: Rubens Figueiredo
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 41 (264 págs.)
Avaliação: bom
Leia trecho
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