São Paulo, sábado, 07 de abril de 2007

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Hisham Matar contrapõe pureza e brutalidade em meio à ditadura líbia

Romance narra infância de garoto durante governo de Muammar Gaddafi

MICHEL LAUB
ESPECIAL PARA A FOLHA

Histórias contadas por crianças em meio à guerra ou à opressão costumam render por vários motivos. O principal deles é a contraposição entre pureza e brutalidade, recurso em geral obtido por meio de uma voz calculadamente ingênua, cujas lacunas acentuam um horror nunca explícito e, por isso mesmo, ainda mais presente.
Tal equilíbrio não é sempre pacífico, e é no caminho tortuoso para consegui-lo que estão os méritos e defeitos do elogiado romance de estréia do americano de ascendência líbia Hisham Matar.
O livro é narrado por Sulemein, um garoto de 9 anos, e seu pano de fundo é a ditadura de Muammar Gaddafi. No verão de 1979, o pai de Sulemein se envolve com oposicionistas e acaba preso. Com ingredientes autobiográficos, já que o pai de Hisham Matar passou por experiência semelhante, o livro acompanha o processo de amadurecimento de Sulemein, que se divide entre as brincadeiras típicas de sua idade e os sentimentos conflituosos em relação à tragédia familiar.
O principal problema da trama é que esse amadurecimento não parece um processo contínuo e crescente, como seria praxe num romance de formação. A voz de Sulemein oscila entre uma extrema ingenuidade e uma consciência às vezes exagerada. Em certas passagens ele demonstra não entender, por exemplo, o porquê de os amigos de seu pai estarem sendo perseguidos; em outras, ele reproduz com exatidão diálogos em que adultos explicam em detalhes a situação da Líbia.
Como o romance é narrado do futuro, é difícil acreditar que o personagem lembrasse de todas aquelas palavras.
À medida que a história avança, porém, fica claro que o propósito do autor não é apenas a denúncia do horror ditatorial sob o filtro da doçura infantil.
Ao tratar de sua relação com a mãe problemática, com o melhor amigo, com um mendigo da vizinhança e um fantasmagórico agente da repressão, a fala de Sulemein deixa de ser a de uma vítima passiva e se torna o registro desconcertante de um indivíduo em transformação, rumo a algo que não sabe bem o que é, processo mais rico e ambíguo do que sugere a mera alegoria política.
Ou seja, Hisham Matar escapa do modelo a que seu romance parece se filiar para dar a ele uma dimensão mais original, para além do espaço e do tempo em que está situado. O horror não é apenas o da Líbia em 1979, mas também o que cada um é capaz de infligir aos outros e a si mesmo ao se tornar adulto. Para Sulemein, isso significa deixar de acreditar que "o inocente não tem motivo para ter medo". Até porque ninguém é inocente, e todos agora parecem ter medo disso.


MICHEL LAUB é autor de "O Segundo Tempo" (Companhia das Letras).

NO PAÍS DOS HOMENS
Autor:
Hisham Matar
Tradução: Rubens Figueiredo
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 41 (264 págs.)
Avaliação: bom

Leia trecho


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