São Paulo, quarta-feira, 07 de abril de 2010

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Invenção do Brasil

Festival É Tudo Verdade estreia sexta e atesta explosão do documentário nacional

Divulgação
"Segredos da Tribo", do diretor José Padilha, abre festival É Tudo Verdade no Rio

ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL

Há 15 anos, quando cismou de reunir, na tela, os documentários produzidos no Brasil e no mundo, Amir Labaki não podia prever o tamanho da encrenca em que estava se metendo. Se, no primeiro ano do "É Tudo Verdade", foram 40 os brasileiros inscritos, nesta edição foram 450, entre curtas, longas e médias-metragens. Somados os filmes vindos do exterior, chega-se a 1.200 títulos.
Vitrine privilegiada, o festival reflete um fenômeno que é, também, de mercado: em 2009, os documentários responderam por 45% das estreias nacionais. A explosão na produção de documentários deve-se, em primeiro lugar, às frestas abertas pela tecnologia. Como diz Silvio Tendler que, nos anos 1980, vendeu milhões de ingressos com os documentários "O Mundo Mágico dos Trapalhões" e "Jango", ele gastava, nessa época, mais de R$ 300, apenas em negativo, para filmar dez minutos de entrevista.
"Hoje, com R$ 10, você compra uma fita que grava um hora." Esse é um lado da moeda. Outro é o que Labaki identifica como a "valorização do discurso não ficcional". Em tempos de celulares aptos a registrar o que acontece à nossa volta e de crise das chamadas grandes narrativas, o documentário, e sua tentativa de roçar o real, teriam adquirido uma contemporaneidade quase involuntária?
"A aceitação maior do documentário deve-se também à introdução de linguagens antes consideradas estranhas no âmbito do cinema", diz Lucas Bambozzi, um dos nomes que, ao migrar da videoarte para o documentário, trouxe novas texturas para as imagens.
"Ouso dizer que o documentário ocupou um espaço tão significativo que influenciou a ficção", acrescenta Maria Dora Mourão, professora da Escola de Comunicações e Artes da USP. Tanto a professora quanto Labaki defendem que, hoje, o cinema brasileiro encontra mais invenção e novidade no documentário que na ficção.
Documentarista velho de guerra, Vladimir Carvalho alinha-se a essa visão. E vai além: "Me parece que, aqui, a ficção ou é milionária ou é voltada para o próprio umbigo. No documentário, o diretor é obrigado a se vincular ao real." Menos compromissado com resultados comerciais, o documentário também é, naturalmente, um terreno mais propício a passadas arriscadas.
O país desconhece, no entanto, um fenômeno como o do norte-americano Michael Moore, que arrecada milhões de dólares. Os 38 documentários nacionais lançados no cinema em 2009 fizeram, ao todo, 390 mil espectadores; as 46 ficções somaram 15 milhões. A média de permanência de um documentário em cartaz também é mínima. Poucos ultrapassam as duas semanas.
Claudio Manoel, diretor de "Simonal - Ninguém Sabe o Duro que Dei", que fez 70 mil espectadores, beneficiado por merecido boca a boca, diz que, após mais de um ano tentando lançar o filme, encontrou várias portas trancadas. "Conseguimos apenas 22 salas em todo o país, um número gigantesco para documentários. A luta para atingir mais praças foi árdua e inglória", diz o diretor. "Capitais como Vitória possuem, no máximo, uma sala dita de "arte". Na época do lançamento, na capital capixaba o cinema "artístico" exibia "Se Eu Fosse Você 2"."
A TV, por sua vez, permanece alheia ao fenômeno. "A presença de tantos títulos nas salas de cinema se deve muito à virtual omissão da TV aberta ou fechada frente aos documentários, com exceção do Canal Brasil e das TVs públicas. Na Europa, no Canadá e, em menor escala, nos EUA, a TV é um parceiro essencial do documentário", diz Labaki. Aqui, essa história é bem outra.


É TUDO VERDADE

Quando: em São Paulo, abertura ao público na sexta; no Rio, no sábado
Onde: em diversas salas, confira em etudoverdade.com.br (gratuito)




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