São Paulo, terça-feira, 07 de maio de 2002

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Herdeiras de Clementina?

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Clementina de Jesus



Lutando por espaço, cantoras negras brasileiras desfilam rumos variados e discutem se pode ou não haver uma unidade entre elas


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Em comum, elas têm serem mulheres negras, terem voz alta e estarem lutando contra a maré num mercado em crise. No mais, parecem diferentes em tudo.
Sandra de Sá, 46, sobrevive na grande indústria lançando um CD todo dedicado a versões em português da meca negra norte-americana Motown. Mart'nália, 36, conquista atenção, após discos de samba praticamente secretos, ao gravar sob orientação musical de Caetano Veloso e guarida da gravadora independente Natasha.
Paula Lima, 31, talvez a mais identificada com a dita "cultura black", saiu da também independente Regata e aguarda, em silêncio, a já prometida primeira assinatura de contrato com uma grande gravadora, Universal.
Daúde, 39, grava por conta própria seu terceiro CD, provisoriamente batizado "Uma Neguinha". Na mesma condição está Arícia Mess, 42, sem gravadora após a estréia em CD em 2000.
Herdeiras voluntárias ou não da majestade negra secular de Clementina de Jesus (1902-87), todas discursam pela fuga da unidade ou de uma identidade comum.
"Temos que começar a nos encarar. A gente que faz música preta brasileira tem que entrar, parar de se marginalizar, estar consciente, marcar ponto. É parar de correr atrás para chegar junto. Um dia vão entender", começa Sandra, buscando identidade.
Paula Lima poderia concordar com tais palavras, mas parte para outra ao definir seus propósitos: "Não quero deixar as pessoas mais preocupadas e tensas do que já estão. Minha função é trazer um lado leve, transmitir paz e tranquilidade". "Tenho total influência de soul e funk, mas preciso falar do samba e das coisas brasileiras para espelhar o que sou. Bossa nova era jazz e samba, ou seja, música negra, mas não sei se eu dizer isso pode trazer desconforto", provoca de leve.
Arícia Mess prefere as indagações: "Não sei se existe uma identidade em comum entre nós, mas me interesso por saber o que estão fazendo Paula Lima e Daúde. Aqui ainda há poucas cantoras negras no mercado, por quê? Quem está no grande mercado? Para o tanto de mulheres negras que o Brasil tem, acho pouco".
Mesmo trabalhando com o produtor black inglês Will Mowat e regravando a muito militante "Ilê Ayê", Daúde procura estancar a centralidade da questão: "O panfletário não é minha cara, é um discurso que não me cabe. Quando me tratam como "mulher, negra e nordestina", me parece que estão falando de três defeitos. Minha posição é de positividade, apologia, reconhecimento".
Mas acaba mergulhando na discussão: "Por que o músico negro costuma ser bom percussionista? Porque percussão é instrumento barato. É duro, o negro apanhou, continua nas cozinhas".
É vez de Mart'nália, que chega a seu momento de máxima expressão, sob influência mestiça de Caetano. "Ele queria um disco percussivo. Já pensei na Bahia, falei: "Ih, não vai dar certo". Caetano acabou fazendo isso no "Noites do Norte", e eu quis limpar, tirei bateria, fui pesquisar samba-canção, fui fundo em Elizeth Cardoso e Angela Maria", impõe-se.
"Sempre ouvi muito essa música de preto americano, mas o Brasil é totalmente mestiço, não dá para ser assim. Fui amiga e quase filha de Clara Nunes, que passeava por tudo. Fiquei mais enraizada na bossa nova de Nara Leão, Rosinha de Valença... Quem sabe a negrada chega lá", intimida-se.



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