São Paulo, terça-feira, 07 de maio de 2002

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VOZES NEGRAS

"Black woman" brasileira aposta nos hits antigos da Motown; sambista atualiza canções de Ary e Noel

Sandra e Mart'nália voltam divergentes

DA REPORTAGEM LOCAL

Enquanto outras aguardam, Sandra de Sá e Mart'nália voltam ao mercado ao mesmo tempo, lançando trabalhos enormemente distintos em termos de, como gosta de dizer Sandra, MPB -música preta brasileira.
"Pé do Meu Samba", de Mart'nália, é trabalho de grande personalidade pessoal que, ainda assim, vem tarjado com a forte marca musical de Caetano Veloso, agora também disposto a abrir suas asas sobre o samba.
O disco de Mart'nália, filha do glorioso Martinho da Vila, é, sim, de samba. Mas vem depurado pelos filtros de sofisticação do samba-canção à Elizeth Cardoso, dos afro-sambas de Baden Powell e Vinicius de Moraes ("Tempo Feliz" é uma das faixas), da obsessão percussiva escravagista de Caetano, da riqueza melódica, harmônica e instrumental geral do Brasil (a cargo da produção e dos arranjos de Celso Fonseca).
A tez própria de Mart'nália se impõe na voz rouca e pequena, no amor confesso pelos temas de fossa de Nana Caymmi, na lembrança da canção militante hoje dissipada de Luiz Carlos Paraná e Adauto Santos ("De Amor e Paz", gravada para festival dos 60 pela hoje matriarca negra Elza Soares).
No final, Mart'nália parece mais Mart'nália que Caetano, avanço incrível em relação aos trabalhos que o mesmo fez com nossa talvez maior diva negra contemporânea, Virgínia Rodrigues. A identidade segue fraturada, mas luta com bravura para se recompor.
Algo diferente acontece com Sandra de Sá (e também com Lady Zu, pobremente reaproveitada pela Abril no recente "Number One"). Sandra vai na lábia dos chefões da Universal e verte para o português standards da Motown em "Pare, Olhe, Escute".
Não se trata aqui de negar que ela fosse a pessoa ideal para fazê-lo no Brasil, ou que o faça com brilho. Mas regravar Motown com arranjos que mimetizam os originais, num momento em que a Universal sabe que Paula Lima e Luciana Mello apontam novos caminhos para a música negra brasileira, é apostar no retrocesso, na redundância, no anacronismo.
Agrava o caso o fato de as versões para hinos de Smokey Robinson (que participa em pessoa), Marvin Gaye, Stevie Wonder e Lionel Richie são sofríveis, beirando nonsense que nem cede à diversão que havia em a mesma Sandra traduzir "Fame" e cantar "vem pro meu lado forever".
Nossa "black woman" número um, Sandra de Sá continua carecendo de direção, de demarcação de território, de peito aberto para sua plena expressão.
Atrás dela, um comboio de divas da diversidade espera também o dia de assumir plenamente uma identidade que independe de conceitos de unidade ou variedade. Ave, Arícia Mess, Daúde, Paula Lima, Virgínia Rodrigues, Margareth Menezes, Teresa Cristina, Dorina, Virgínia Rosa, Luciana Mello, Alda Rezende, Andréa Marquee, blablablá...
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


Pé do Meu Samba    
Artista: Mart'nália
Lançamento: Natasha/BMG
Quanto: R$ 25, em média

Pare, Olhe, Escute   
Artista: Sandra de Sá
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 25, em média




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