São Paulo, quinta, 7 de maio de 1998

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O Paraíso é apenas promessa de felicidade

MÔNICA RODRIGUES COSTA
Editora da Folhinha

Que Deus me perdoe, mas os livros sobre religião, para crianças de 5 a 9 anos, estão longe de ser satisfatórios. As explicações sobre a origem do mundo são míticas, como as lenda indígenas, ficcionais e inverossímeis. Deveriam ser melhor explicadas.
Mesmo que o intuito desses livros seja o da formação religiosa, é preciso contextualizá-la no mundo contemporâneo, frente à ciência ou à fraternidade entre povos.
Os simpáticos livros apoiados pelo banco Safra, ensinam generosidade e fraternidade, mas se limitam à comunidade judaica. É o caso deste exemplo de "Salo e Yossi - Na Trilha Quente", de Dina Rosenfeld (editora Maayanot-Infantil): "-Você sabe a mitsvá que nos manda ajudar/ Todo e qualquer judeu, seja em qualquer lugar,..." Por que não ajudar a todas as pessoas, de qualquer crença, raça ou povo?
O que dizer do ensinamento sobre as presenças de Deus e Jesus por meio dos milagres, como consta do livro "A Bíblia dos Pequeninos" (editora Cristã Unida)? O livro tem outros problemas. Representa o inimigo do povo de Deus como um gigante malvado e tem inúmeros erros de português, como: "Então Jesus sube, sube, sube/ bem alto nas nuvens-/ sempre subindo até o céu.../ sempre subindo até Deus."
Muitas histórias religiosas para crianças acontecem num tempo remoto, entre fontes e desertos, pasto de ovelhas com pastores que levam uma vida reflexiva e pacífica. A realidade dos povos antigos é cotidianamente contraposta ao ambiente da criança que vive em cidades violentas, briga na escola e se frustra por não ter o objeto de desejo do mundo do consumo.
A TV joga na cara do público infantil, solitário, conflitos entre países, guerras religiosas, ganância competitiva e extremo individualismo. Que Deus dá conta de pacificar os sentimentos humanos frente a esse tipo de mundo?
O Deus cristão, que criou a Terra com palavras mágicas e que deixou o diabo tentar no Éden seres inocentes, criados por ele mesmo?
Esse enfoque permeia o livro "A Bíblia da Garotada", de V. Gilbert Beers (editora Cristã Unida), que tem um título modernoso, chamativo, mas conteúdo inverossímel: "Deus fala palavras maravilhosas. E quando Ele fala, coisas maravilhosas acontecem. O Sol começa a brilhar. A Lua aparece com luz suave. As estrelas piscam. Os passarinhos cantam músicas gostosas. Os bichos correm e brincam."
"O Pedacinho do Céu Azul", livro espírita, do espírito Rosângela e com psicografia de Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho (Lúmen Editorial), ensina que as pessoas devem se conformar com seu destino, porque têm missões na Terra. Nada contra em que um ser humano aceite sua condição de deficiente físico e consiga ser solidário com o seu semelhante.
Mas dizer que uma menina cega morreu e depois viveu feliz, enxergando e brincando no mundo aconchegante da outra encarnação é correr o risco de transmitir uma exagerada conformação aos problemas que as pessoas enfrentam na única vida que a maioria dos seres humanos conhece.
É tempo de modificar a metáfora didática da criação do mundo, interpretá-la com veracidade, para a instituição do Paraíso deixar de ser só uma promessa de felicidade.




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