São Paulo, quinta, 7 de maio de 1998

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CENTENÁRIO
Brecht vem a SP de 24 maneiras diferentes

Divulgação
Cena da montagem de "Gedichte", que integra a programação do evento que comemora o centenário do dramaturgo alemão Bertolt Brecht



Mostra do Sesc chega a São Paulo com peças,recitais, cabarés e exposições criadas a partir da obra do escritor alemão; evento começa hoje, com musical de Suzana Salles


NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

Se a chave para o teatro -e a arte- do fim do século é mesmo a "diversidade", o centenário autor alemão Bertolt Brecht, que morreu em 1956, não poderia desejar coisa melhor do que os 24 espetáculos da mostra Brecht 100 Anos, que começa hoje em São Paulo.
Até o dia 17, em uma semana e meia, as seções do Sesc em Pinheiros, Vila Mariana e Itaquera, além do Centro Cultural Monte Azul, junto à favela de mesmo nome, farão apresentações gratuitas de Brecht, visto das mais diversas maneiras.
Além dos espetáculos, duas exposições vindas da Alemanha estarão abertas de 10 a 17 de maio: "Viver e Sobreviver no Século 20", no Centro Monte Azul, e "O Trabalho Teatral de Brecht", no Sesc Vila Mariana.
A "diversidade" é o propósito expresso do festival, declarado por Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc-SP.
Tem de tudo, do cabaré em alemão de Suzana Salles ao cabaré tropicalista de Jorge Mautner. Dos estudos rigorosos de Sérgio de Carvalho, elogiados pelo crítico literário Roberto Schwarz, ao bate-estaca "clubber" de "Eletrobrecht... Spoken World". Dos jovens favelados de "Sim... Ou... Não! Ou Melhor..." às crianças de rua, da praça da Sé, de "Meninos e Meninas Cantam Brecht".
Talvez seja Brecht demais, de uma só vez, como insinuou um dos participantes, Marcelo Fonseca, diretor de "Baal". Mas dá para selecionar conforme o gosto.
São nove musicais, a começar pelo "Concerto Cabaré" de Suzana Salles, que abre a mostra nesta noite, com canções tiradas das peças "A Ópera dos Três Vinténs", "Mahagonny" e "Happy End".
Jorge Mautner, ao lado de Nelson Jacobina, junta Brecht e seus compositores Kurt Weill e Hans Eisler aos sambistas Noel Rosa e Wilson Batista, em "Cabaré Brechtiano Tropical".
O Brecht poeta está em "Gedichte", um "prelúdio" com Renata Jesion, Vanusa Ferlin, Hélio Cícero e outros atores. Também em "Muito Prazer, Bertolt Brecht", um "recital" com Linneu Dias, André Boll e outros atores.
Mas é o teatro de Brecht, propriamente, que concentra as atenções. Brecht que, vale lembrar, chegou ao palco brasileiro em 1958, com "A Alma Boa de Setsuan", encenada por Flaminio Bollini, e desde então ganhou montagens históricas de Cacá Rosset, José Celso Martinez Corrêa, Augusto Boal, Flávio Rangel e Antonio Abujamra.
Na mostra estarão, entre outros, Aderbal Freire-Filho, um dos mais produtivos diretores do Rio, com "O Congresso dos Intelectuais", adaptação de "Turandot ou O Congresso das Lavadeiras", e a dupla Sérgio de Carvalho e Márcio Marciano, diretores de "Santa Joana dos Matadouros" e "Ensaio sobre o Latão".
Márcio Aurélio, diretor consagrado em São Paulo e professor da Unicamp, comparece com "O Maligno Baal, o Associal". A montagem foi realizada com base em fragmentos do dramaturgo, escritos ao longo de décadas, sobre Baal, o poeta-protagonista da primeira peça de Brecht.
"Eu considero os fragmentos importantes para estudar o projeto de cena do Brecht, os diferentes momentos por que passou", diz Márcio Aurélio. "Como é para a mostra, eles vêm provocar um diálogo com as outras peças."
Alexandre Stockler, um dos jovens diretores de São Paulo, é o que mais tem insistido no teatro brechtiano. Já encenou "Na Selva das Cidades" e chega à mostra com duas outras peças, "Um Homem É um Homem" e "O Mendigo ou O Cachorro Morto".
"Tirando o Shakespeare, Brecht é o maior dramaturgo, mais atual até do que Shakespeare", diz Stockler. "O que me interessa mais nos personagens dele é a confusão de identidade. As pessoas que não assumem sua identidade própria e preferem seguir o conjunto, como acontece hoje."
Autor de consciência política, Brecht inspira montagens de grupos com atuação em periferia, como o de Amauri Falsetti. Ele dirigiu "Sim... Ou... Não! Ou Melhor...", adaptação das peças didáticas "O Que Diz Sim" e "O Que Diz Não". A fábula engajada serviu bem ao trabalho social.
"É uma situação que se coloca para todo jovem de periferia", diz Falsetti. "Você tem que tomar posição, diante das drogas, do crime, do estudo. Na nossa sociedade, o excluído pode reagir, desde que ele mude a realidade."



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