São Paulo, terça-feira, 07 de junho de 2005

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MÚSICA

Décimo álbum da carreira do cantor e instrumentista, "Aystelum" traz composições inéditas e diferentes influências musicais

Ed Motta desafia a mesmice com jazz e samba em CD

Alexandre Campbell/Folha Imagem
O cantor Ed Motta, que lança seu décimo álbum, "Aystelum"


CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Não dá para viver na mesmice, ficar lapidando as mesmas coisas. Não quero saber se a piscina tem água ou não. Quero é mergulhar." Assim Ed Motta explica o impulso que o levou a gravar "Aystelum", décimo álbum de sua carreira. Nele, o cantor e instrumentista carioca exibe composições inéditas e influências musicais capazes de surpreender aos que teimam em identificá-lo apenas com a fase soul-funk dos anos 80 e 90.
"Awunism", a faixa de abertura, soa como uma provocação. Ruidosos improvisos de sax e trompete compõem uma atmosfera intensa, que remete por instantes ao "free jazz" -o jazz de vanguarda cultivado por músicos como John Coltrane e Ornette Coleman, nos anos 60. Outras quatro faixas desse trabalho confirmam: "Aystelum" é o mais jazzístico dos CDs que Ed Motta lançou até hoje.
"Na verdade, o "Dwitza" já namorava essa linguagem, timidamente, em alguns momentos", compara o compositor, referindo-se ao álbum de 2002, que marcou sua primeira incursão por esse gênero instrumental. "Mas acho que este disco ainda toca no free jazz de maneira tímida. Tenho planos de fazer algo mais radical no futuro", revela.
A inclinação jazzística do novo álbum não impede que Ed Motta também enverede por outros gêneros. Dois sambas nada convencionais ("Pharmácias" e "Samba Azul") inauguram sua parceria com o compositor e escritor Nei Lopes. "Gosto de vestir os sambas de outro jeito, mas sem ser iconoclasta. Faço samba com sintetizador analógico, com solo free de sax tenor", diverte-se o cantor.
Mais inusitado é um "medley" de três canções na linha dos musicais da Broadway, que Ed Motta compôs em parceria com o letrista Cláudio Botelho para o inédito musical "7". Na gravação, essas canções são interpretadas pelos próprios atores do elenco da produção, ainda sem estréia definida.
Admitindo que o tom teatral dessas canções provoca um estranhamento, em meio aos temas jazzísticos e sambas que dominam o disco, Motta afirma que essa mistura foi proposital, que sua intenção é "provocar sensações".
"Eu poderia ter gravado um disco meio soul, um disco meio free ou ter gravado apenas a trilha do musical, mas eu queria justamente esse pseudodesconforto da não-coerência. No mundo em que vivemos hoje, a coerência na arte soa cada vez mais careta. Acho que a música tem uma função mais abstrata", justifica.
A turnê de shows de lançamento de "Aystelum" começa em agosto, no Mistura Fina, no Rio, e passa por São Paulo, em setembro. Já ensaiando com seu septeto, Ed Motta também se prepara para retornar, em novembro, à Inglaterra. Ali a faixa "Balendoah" já vem sendo tocada pelo produtor e DJ Gilles Peterson, em seu programa de rádio na BBC.
"A receptividade ao meu trabalho tem sido maravilhosa, no exterior. E isso começou com o "Dwitza". Lá eles não estão interessados no meu lado pop. Aliás, os shows que faço até na Argentina e no Chile não têm quase nada a ver com o que eu apresento aqui no Brasil", conta Motta, avisando que desta vez também vai dar ênfase a esse lado jazzístico em suas apresentações pelo país. "Tenho vontade de fazer outras coisas. Quero arriscar mais", diz.

Carlos Calado é crítico e autor de "O Jazz como Espetáculo", entre outros

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