São Paulo, quinta-feira, 07 de junho de 2007

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crítica

Ao filmar acaso, Barcinski caiu em armadilha

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Controle e acaso são dois temas particularmente caros ao cinema, pois estão estreitamente relacionados ao próprio fazer cinematográfico. Entra em jogo o caráter fotográfico da atividade (na era pré-digital, é bom frisar) e a tensão que dele decorre: mesmo as mais delirantes obras de ficção não deixam de ser a documentação de algo encenado diante da câmera; mesmo os documentários mais realistas (supostamente mais abertos ao acaso) não deixam de ser um recorte construído sobre essa "realidade", com forte aspecto ficcional.
Quando um diretor aborda o tema do acaso diretamente e opta por um filme nos padrões da dramaturgia convencional, a questão, se não for inserida de forma brilhante, simplesmente perde o sentido. O acaso torna-se uma peça dramática enfraquecida, personagem fabricado para dar sentido à narrativa -e que de "acaso", então, não tem nada.
Em sua estréia como diretor de longa-metragem, Philippe Barcinski não consegue se desvencilhar dessa armadilha. "Dois segundos podem mudar sua vida", diz a "tagline" de seu filme. OK, mas são dois segundos milimetricamente calculados para dar rumo a uma história que retira o acaso de sua estrutura.
Em "Não por Acaso", acompanhamos dois personagens obcecados pelo controle. Pedro (Rodrigo Santoro) fabrica mesas de sinuca. Na hora de jogar, combina razão e força para prever o movimento das bolas. Ênio (Leonardo Medeiros), engenheiro de trânsito, se faz valer de cálculos para antecipar problemas e, quando possível, solucioná-los. Mas o acaso "arromba" suas vidas de forma trágica.
Philippe Barcinski é autor de um premiado e coerente conjunto de curtas-metragens ("A Escada", "O Postal Branco" e "Palíndromo"). Ao passar para o longa-metragem, Barcinski optou por uma diluição, buscando, em sua visão racional da vida, somar doses de emoção. Mas não encontrou um equilíbrio entre esses aspectos, talvez porque eles não sejam tão separados assim.
Há muitas qualidades em "Não Por Acaso": São Paulo é filmada com um carinho todo especial, os atores são de primeira, e há um desejo sincero de se fazer um filme "inteligente" com a mais ampla penetração. Mas o resultado, simplesmente, é fraco.


NÃO POR ACASO
Produção:
Brasil, 2007
Direção: Philippe Barcinski
Com: Rodrigo Santoro, Leonardo Medeiros
Quando: Em cartaz nos cines Pátio Higienópolis, Espaço Unibanco e circuito
Avaliação: regular


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