São Paulo, quinta-feira, 07 de junho de 2007

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Crítica/"Atravessando a Ponte - O Som de Istambul"

Akin faz viagem estética pela Turquia

Diretor de "Contra a Parede" dá a músico experimental o papel de agente revelador dos segredos musicais de Istambul

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Fazer dos filmes um meio de transporte para lugares e acontecimentos distantes e pouco conhecidos foi, desde as origens com os irmãos Lumière, uma das possibilidades abertas pelo cinema. Fiel a esse programa, o diretor Fatih Akin parte em busca da singularidade cultural em uma viagem estética e antropológica pela Turquia no documentário "Atravessando a Ponte - O Som de Istambul".
O projeto nasceu como derivação do longa de ficção "Contra a Parede", dirigido por Akin. Alexander Hacke, baixista do grupo de rock industrial Einstürzende Neubauten e autor da trilha de "Contra...", assume o papel de agente revelador dos segredos musicais de Istambul.
Desta vez é o alemão que se encontra "fora do lugar", e é sua experiência de estranhamento, valorizada no viés positivo das descobertas, que permitirá ao espectador abrir seus ouvidos ocidentais à variedade rítmica da música turca.
Tal como em "Contra...", o diretor parte da idéia de cruzamentos (culturais, étnicos e emocionais). A posição geográfica de Istambul -e da Turquia-, mescla de Ocidente e Oriente e espécie de confim da Europa, coloca-a num lugar onde as misturas acontecem sem o consumo de uma tradição por outra mais dominante.
Em vez de obedecer à lógica predatória do olhar turístico, a presença de Hacke oferece uma captação mais dinâmica e interessada das singularidades. Músico de orientação experimental, Hacke mantém a amplitude do registro, orientando o documentário para os sons das ruas e bazares e libertando-o do enfoque folclórico.
Dessa multiplicidade de entradas, o filme aproveita para avançar em outros territórios, como o da política, por exemplo no caso das tradições musicais curdas, banidas temporariamente de execução na Turquia no período da ditadura militar nos anos 80. No melancólico canto da curda Aynur, a beleza se faz também do testemunho das marcas da opressão.
A viagem de Akin e Hacke não se limita ao espaço e avança também pelo tempo. Do passado são resgatados personagens como Orhan Gencebay, um ídolo que fez carreira no cinema nos anos 70 e depois se isolou. Ele cede à insistência de Akin e abre sua casa para resgatar suas memórias e sua voz hoje. De ainda mais distante ressurge a diva Müzeyyen Senar, agora octogenária, para reencenar sua grandeza.
Nem só de tradições, porém, se alimenta a riqueza do documentário de Akin. O rock e o rap reassumem suas características de gêneros musicais mestiços, misturando a sonoridade da língua às bases ocidentais dos ritmos e assimilando em suas poéticas os pontos de vista dos jovens turcos.
No meio desse caldeirão, nossos ouvidos agradecem.


ATRAVESSANDO A PONTE - O SOM DE ISTAMBUL
Produção:
Alemanha/Turquia, 2005
Direção: Fatih Akin
Quando: estréia hoje no Reserva Cultural
Avaliação: bom


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