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Crítica/"Atravessando a Ponte - O Som de Istambul"
Akin faz viagem estética pela Turquia
Diretor de "Contra a Parede" dá a músico experimental o papel de agente revelador dos segredos musicais de Istambul
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
Fazer dos filmes um
meio de transporte para
lugares e acontecimentos distantes e pouco conhecidos foi, desde as origens com os
irmãos Lumière, uma das possibilidades abertas pelo cinema. Fiel a esse programa, o diretor Fatih Akin parte em busca da singularidade cultural em
uma viagem estética e antropológica pela Turquia no documentário "Atravessando a Ponte - O Som de Istambul".
O projeto nasceu como derivação do longa de ficção "Contra a Parede", dirigido por Akin.
Alexander Hacke, baixista do
grupo de rock industrial Einstürzende Neubauten e autor da
trilha de "Contra...", assume o
papel de agente revelador dos
segredos musicais de Istambul.
Desta vez é o alemão que se
encontra "fora do lugar", e é sua
experiência de estranhamento,
valorizada no viés positivo das
descobertas, que permitirá ao
espectador abrir seus ouvidos
ocidentais à variedade rítmica
da música turca.
Tal como em "Contra...", o diretor parte da idéia de cruzamentos (culturais, étnicos e
emocionais). A posição geográfica de Istambul -e da Turquia-, mescla de Ocidente e
Oriente e espécie de confim da
Europa, coloca-a num lugar onde as misturas acontecem sem
o consumo de uma tradição por
outra mais dominante.
Em vez de obedecer à lógica
predatória do olhar turístico, a
presença de Hacke oferece uma
captação mais dinâmica e interessada das singularidades.
Músico de orientação experimental, Hacke mantém a amplitude do registro, orientando
o documentário para os sons
das ruas e bazares e libertando-o do enfoque folclórico.
Dessa multiplicidade de entradas, o filme aproveita para
avançar em outros territórios,
como o da política, por exemplo
no caso das tradições musicais
curdas, banidas temporariamente de execução na Turquia
no período da ditadura militar
nos anos 80. No melancólico
canto da curda Aynur, a beleza
se faz também do testemunho
das marcas da opressão.
A viagem de Akin e Hacke
não se limita ao espaço e avança
também pelo tempo. Do passado são resgatados personagens
como Orhan Gencebay, um
ídolo que fez carreira no cinema nos anos 70 e depois se isolou. Ele cede à insistência de
Akin e abre sua casa para resgatar suas memórias e sua voz hoje. De ainda mais distante ressurge a diva Müzeyyen Senar,
agora octogenária, para reencenar sua grandeza.
Nem só de tradições, porém,
se alimenta a riqueza do documentário de Akin. O rock e o
rap reassumem suas características de gêneros musicais
mestiços, misturando a sonoridade da língua às bases ocidentais dos ritmos e assimilando
em suas poéticas os pontos de
vista dos jovens turcos.
No meio desse caldeirão,
nossos ouvidos agradecem.
ATRAVESSANDO A PONTE - O SOM DE ISTAMBUL
Produção: Alemanha/Turquia, 2005
Direção: Fatih Akin
Quando: estréia hoje no Reserva Cultural
Avaliação: bom
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