São Paulo, segunda-feira, 07 de junho de 2010

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OPINIÃO

Rede pode ser saída para teatro modernete

Experiência de ver espetáculos ao vivo ainda é essencial, mas internet aponta para o futuro das artes cênicas


JÁ VI ESPETÁCULO COM TEXTO PÓS-BECKETIANO E ATORES DECLAMANDO COMO NO SÉCULO 19


ADERBAL FREIRE-FILHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O teatro na internet não é teatro, mas é uma rima e pode ser uma solução. Essa arte, antiquíssima e supernova, surgida após a explosão da grande estrela teatral que produziu também o cinema, pode assim ser identificada no grande céu da internet e salva da geleia geral, meu santo Torquato Neto.
Tão sensacional quanto a invenção do cinema falado foi a invenção que veio depois, a do teatro. O cinema matou o teatro que encontrou no caminho. Três tiros do John Wayne no peito do velho ensaiador português que tomava seu drinque no "saloon" e pronto. Acabou-se o velho teatro.
Pois esse teatro "inventando-se" já tem história. Algumas eras em poucas décadas. Como é impossível um acompanhamento ordenado dessa história, o progresso do teatro emperra na repetição.
E um avanço antigo de linguagem é saudado como novo, como se Joyce e Elliot, desconhecidos, estivessem sempre surgindo, muitas vezes em subprodutos. Nada contra a recriação. Falo contra o retrocesso. Como diz Lúcio, da seleção, o passado não é sofá, é trampolim.

CRÍTICA
Imagine um crítico literário que não tivesse a possibilidade de ler clássicos, nem a literatura de fora do país a não ser em excepcionais viagens ao estrangeiro, quando leria os romances "em cartaz" naquele momento.
Ou um crítico de música que só pudesse ouvir os músicos da vila. Ou um crítico de cinema que só conhecesse Orson Welles e Chaplin pela leitura de ensaios e Glauber Rocha pela fama de "Deus e o Diabo na Terra do Sol", filme perdido para sempre.
Pois é com esses supostos críticos que é preciso comparar os críticos de teatro. É extraordinário que ainda assim existam bons críticos.

MODERNINHO
Posso falar de um autor novo para deixar mais claro o que quero dizer com o teatro "inventando-se".
Vamos lá. O melhor desses caras da nova dramaturgia é um inglês de brinquinho na orelha, Bill Shakespeare. Às vezes, um espetáculo "atualiza" as peças dele contentando-se em vestir os atores com roupas moderninhas, paletó e gravata, pasta de executivo etc.
A invenção do teatro passou por aí nos anos 50 do século passado, mais ou menos. Claro, uma reprodução rigorosa dos vestidos da época é coisa de museu, não se trata disso. Mas o novo em teatro, a arte do homem e da mulher vivos, não está propriamente nos seus vestidos.
Pra começar, a vida é o presente ou, como diz Gilberto Gil, com um parênteses meu, o melhor lugar do mundo (o teatro) é aqui e agora.
Já vi espetáculo com texto pós-becketiano, cenário pós-expressionista, roupas pós-kiwi e, por outro lado, atores no passado, declamando como no século 19. E muitas vezes críticos pedem isso, dizem: faltou solenidade para dizer as palavras do poeta.
Quando o meu Artaud grita "Chega de literatura no teatro", não fala contra os textos, contra os autores, sejam dramaturgos, poetas ou narradores. Fala contra os mortos-vivos em cena.

JUVENTUDE
Na ilha Brasil, anunciam mudanças necessárias nas leis de incentivo.
Vem aí uma leva de novos críticos, os pareceristas, vem aí amanhã e amanhã e amanhã e é bom navegar no grande mar do teatro.
Então, que venha o teatro na internet. O teatro "moder.net" contra o teatro modernete. Talvez seja a grande saída para a crítica e para a história do teatro do futuro.
Para a minha geração, desconfio que não tem mais jeito. E para a juventude twitterista, ou seja, os que vão conhecer o teatro "moder.net", é bom lembrar que ele só vale como incentivo ao salto para uma sala mágica de teatro. Senão, vão continuar sem-teatro. E sem movimento.

ADERBAL FREIRE-FILHO é diretor de teatro e assinou montagens como "Hamlet" e "As Centenárias".


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