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São Paulo, segunda-feira, 07 de julho de 2003

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ANÁLISE

O perigo entre a performance e o bastidor

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Lula é bom de mídia. Cada hora em um lugar do país ou do mundo, em cada lugar uma manifestação que destoa do tom formal engravatado característico das declarações convencionais de políticos aos repórteres que lhes assediam diariamente.
A originalidade de Lula tem a ver com sua formação fora dos gabinetes, mas também com uma disponibilidade para interagir nos mais diversos contextos. E a improvisação rende nos telejornais e documentários, repercute na mídia impressa e nos meios políticos. Referências informais à mulher, companhia constante e fiel, fizeram notícia até se tornarem constrangedoras e diminuírem.
A imprensa especula sobre possíveis fontes bibliográficas das metáforas utilizadas em discursos muitas vezes improvisados. A elucubração é pouco convincente, mas ocupa as páginas de jornais que ajudam a construir um perfil passível de ser tratado como exótico e portanto merecedor de destaque: o do presidente-operário doutor em repertórios populares.
Emissoras de rádio e TV não se cansam de abrir espaço ao vivo para discursos do presidente nos mais diversos horários. Performances na TV ganham significado inusitado. Lula coloca o boné do MST da mesma maneira que brinca com a bola e distribui o biscoito recebido no pacote de oferendas com que o polêmico, incômodo, porque incontrolável, MST lhe brindou.
Esse Lula, que faz questão de demonstrar sua pertença popular, toca bumbo na festa de Parintins, destaque de um atrasado "SBT Repórter Especial" que vai ao ar na quarta-feira, às 22h45.
Bumbo e boné aparecem como iguais embora um diga respeito a conflito -político-econômico-social- e o outro esteja na esfera do consenso -da cultura regional amazônica, festejada neste ano com honras presidenciais.
Mas as diferenças entre as duas aparições se restabelecem nos desdobramentos. O boné se tornou o mote de um debate político que vai muito além dele. Parintins passa sem muita onda.
As emissoras não se cansam de homenagear o presidente, especialmente em tempos de vacas muito magras, em que qualquer ajuda governamental apareceria como um alento. O governo, por sua vez, não restringe sua presença às aparições do presidente. A proibição dos comerciais das reformas resultou em um esforço, relativamente bem-sucedido, para que emissoras e apresentadores de TV falem sobre o assunto.
Lula e seu governo demonstram saudável preocupação com a divulgação de suas ações para os cidadãos. No entanto, a combinação dessa hipervisibilidade do presidente performático com articulações de bastidores com emissoras pode vir a se tornar perniciosa.


Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP


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