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ANÁLISE
O perigo entre a performance e o bastidor
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Lula é bom de mídia. Cada
hora em um lugar do país ou
do mundo, em cada lugar uma
manifestação que destoa do tom
formal engravatado característico
das declarações convencionais de
políticos aos repórteres que lhes
assediam diariamente.
A originalidade de Lula tem a
ver com sua formação fora dos
gabinetes, mas também com uma
disponibilidade para interagir nos
mais diversos contextos. E a improvisação rende nos telejornais e
documentários, repercute na mídia impressa e nos meios políticos. Referências informais à mulher, companhia constante e fiel,
fizeram notícia até se tornarem
constrangedoras e diminuírem.
A imprensa especula sobre possíveis fontes bibliográficas das
metáforas utilizadas em discursos
muitas vezes improvisados. A elucubração é pouco convincente,
mas ocupa as páginas de jornais
que ajudam a construir um perfil
passível de ser tratado como exótico e portanto merecedor de destaque: o do presidente-operário
doutor em repertórios populares.
Emissoras de rádio e TV não se
cansam de abrir espaço ao vivo
para discursos do presidente nos
mais diversos horários. Performances na TV ganham significado inusitado. Lula coloca o boné
do MST da mesma maneira que
brinca com a bola e distribui o
biscoito recebido no pacote de
oferendas com que o polêmico,
incômodo, porque incontrolável,
MST lhe brindou.
Esse Lula, que faz questão de demonstrar sua pertença popular,
toca bumbo na festa de Parintins,
destaque de um atrasado "SBT
Repórter Especial" que vai ao ar
na quarta-feira, às 22h45.
Bumbo e boné aparecem como
iguais embora um diga respeito a
conflito -político-econômico-social- e o outro esteja na esfera
do consenso -da cultura regional amazônica, festejada neste
ano com honras presidenciais.
Mas as diferenças entre as duas
aparições se restabelecem nos
desdobramentos. O boné se tornou o mote de um debate político
que vai muito além dele. Parintins
passa sem muita onda.
As emissoras não se cansam de
homenagear o presidente, especialmente em tempos de vacas
muito magras, em que qualquer
ajuda governamental apareceria
como um alento. O governo, por
sua vez, não restringe sua presença às aparições do presidente. A
proibição dos comerciais das reformas resultou em um esforço,
relativamente bem-sucedido, para que emissoras e apresentadores de TV falem sobre o assunto.
Lula e seu governo demonstram
saudável preocupação com a divulgação de suas ações para os cidadãos. No entanto, a combinação dessa hipervisibilidade do
presidente performático com articulações de bastidores com
emissoras pode vir a se tornar
perniciosa.
Esther Hamburger é antropóloga e
professora da ECA-USP
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