São Paulo, quinta-feira, 07 de julho de 2005

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ERUDITO

Compositor-residente do festival de Campos do Jordão terá nova peça, "Variações Sinfônicas", executada no dia 16

Campos presta tributo a Almeida Prado

IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O principal autor paulista de música erudita tem dificuldades para compor porque não enxerga bem. "Estou diabético desde 1997 e, desde então, venho tendo problemas na retina", explica José Antônio Rezende de Almeida Prado, compositor-residente do 36º Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão.
Desde que assumiu a direção artística do festival, no ano passado, o maestro Roberto Minczuk criou a figura do compositor-residente, que fica em Campos do Jordão ministrando aulas e tem uma peça estreada e gravada pela Orquestra Acadêmica, formada pelos bolsistas que participam do evento.
No ano passado, o compositor escolhido para residente foi Marlos Nobre, pernambucano radicado no Rio de Janeiro. Em 2005, a honra cabe a Almeida Prado, que, nascido em Santos em 1943, é de uma geração que escreve à mão e não usa computador.
"Eu tenho que aumentar muito o tamanho do pentagrama para conseguir enxergar o que eu escrevo. O resultado é que um compasso acaba ficando do tamanho de uma mesa. Minha partitura parece uma planta de engenheiro, de tão grande", compara.
Resultado: uma obra como as "Variações Sinfônicas", que ele escreveu especialmente para ser estreada e gravada no festival, dia 16, sob a batuta de Minczuk, levou três meses para ficar pronta, quando, no ritmo de trabalho anterior à diabete, estaria finalizada em 20 dias.
Com 15 minutos de duração, a peça é constituída de dez variações sobre um tema de sabor folclórico, de autoria do próprio compositor. Dedicada ao diretor artístico do festival, a partitura procura sintetizar os elementos que têm marcado a estética de Almeida Prado.
"Eu tenho em mim um elemento mais abstrato, das "Cartas Celestes" mas também um pouco dessa volta ao tonalismo, uma música mais emocional e romântica, que chamo de pós-moderna", diz. "Quis unir os efeitos de ressonância das "Cartas Celestes" a um melodismo mais simples, que o público capta."
As "Cartas Celestes" são um conjunto de 14 obras para diversas formações que constituem o ápice da criação de Almeida Prado. O compositor começou a concebê-las em 1974, como uma descrição do céu do Brasil nos diferentes meses do ano, baseadas no "Atlas Celeste", de Ronaldo de Freitas Mourão.
Elas não aparecem no festival, mas outras obras do autor serão executadas no evento, como "Arcos Sonoros da Catedral Anton Bruckner", pela Sinfônica de Minas Gerais, regida por Marcelo Ramos, dia 17; e a "Abertura Cidade de Campinas", com a Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas, sob direção de Cláudio Cruz, dia 24.
O compositor parece estar em alta entre os intérpretes brasileiros: o violoncelista pernambucano Antônio Meneses incluiu o "Preambulum" de sua autoria entre as peças de compositores brasileiros com as quais abriu a integral das suítes para violoncelo solo de Bach (que marcou o início da série de concertos do Cultura Artística em abril). Em maio, o pianista alemão Ulrich Murtfeld interpretou, no Rio de Janeiro, a obra "Las Américas".
Um sucesso insuficiente, contudo, para deixar otimista o compositor, que se aposentou como professor da Unicamp em 2000, radicou-se em São Paulo em 2002 e, desde então, vem ministrando cursos livres em instituições privadas.
"É sempre assim: os intérpretes estréiam minhas obras e depois não tocam mais", diz o autor de 450 obras, laureado três vezes com o prêmio internacional Lili Boulanger nos anos 70. "Não tenho receita para ser tocado."
Se essa receita ele não pode passar para seus alunos de composição em Campos do Jordão, Almeida Prado vai tentar compartilhar com eles algo do que aprendeu em Paris, há três décadas, com Olivier Messiaen, um dos maiores compositores do século 20, e com a veneranda Nadia Boulanger.
"A Nadia sempre dizia que uma classe interessante é uma classe heterogênea. Procurei selecionar não só os melhores alunos mas também aqueles que tivessem produções distintas, para que um pudesse aprender ouvindo o trabalho do outro", afirma.


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