São Paulo, sexta-feira, 07 de julho de 2006

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Crítica/"Herencia"

Drama argentino vê as trocas entre imigrantes

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

O cinema argentino continua dando banhos de ficção no brasileiro. Sua solidez parece que muitas vezes parte da rica tradição ficcional argentina.
Isso permite aos seus realizadores, os jovens em especial, abdicar da parafernália nova-rica de que nossas produções se servem (como grua, steadycam etc.) sem por isso parecerem deficientes.
Não falo de um de seus filmes principais. "Herencia" é um filme mediano, tradicional demais em seu realismo. No entanto, a realizadora e roteirista Paula Hernández trabalha (em filme de estréia, feito em 2001) com segurança de veterano.
Seus limites são seus limites, o filme é aquilo que ela quis que fosse.
A ele: Peter, um jovem alemão, desembarca em Buenos Aires atrás da garota argentina que amou há algum tempo. Não a encontra. É roubado numa pocilga e desemboca no melancólico restaurante Olinda. Em outro lugar que não a Argentina, o Olinda seria decadente. Lá não. A melancolia é que dá o tom. Pode até descambar um pouco para o sentimental -caso específico do desenhista que vive por ali-, mas não é, no caso, o principal.

Imigração
Olinda também é uma italiana que chegou ali depois da Segunda Guerra Mundial. Ela compreenderá Peter e o acolherá (não sem certa resistência, mas, enfim, tal seria): ambos são, afinal, imigrantes. Esse é o aspecto que o filme toma como ponto de honra e desenvolve com maior felicidade: a imigração não é apenas um fenômeno econômico. Na experiência individual ou na das nações, ela supõe troca de experiência e um enriquecimento decorrente desse vaivém.
"Herencia" significa herança -e não dá para entender porque o título não foi traduzido, pois se trata de avaliar isso que alguém traz para seu novo país, algo por vezes muito pessoal (a lembrança de uma cidade) que acaba de certa forma doando, ao mesmo tempo em que se recebe coisas em troca.
O que Paula Hernández representa com felicidade em seu filme é que ninguém sai ileso desse sistema de troca que se estabelece. A língua, a memória, a culinária, a gestualidade -tudo se deixa contaminar.
A Argentina é um país de imigrantes -embora menos do que o Brasil. Daí ser espantoso que este filme tenha demorado tanto a passar do estágio dos festivais (passou numa remota Mostra Internacional de São Paulo) ao da exibição comercial: tem condições de comover a quem quer que esteja envolvido com o tema -e quase todo mundo está-, sem perder a dignidade.
Pois mesmo estando longe de ser uma obra-prima, sua simplicidade e eficácia, somados à consistência da ficção, garantem um filme acima da média do que tem sido mostrado entre nós.


HERENCIA    
Direção: Paula Hernández
Produção: Argentina, 2001
Com: Rita Cortese, Adrián Witzke, Martín Adjemián, Julieta Díaz
Quando: a partir de hoje na Reserva Cultural


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