São Paulo, sábado, 07 de agosto de 2004

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"HUMBERTO MAURO E AS IMAGENS DO BRASIL"

Obra sobre artista faz ponte entre história e estudos de cinema

"Griffith brasileiro" aparece "resumido" em pesquisa titânica

HILDA MACHADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Humberto Mauro e as Imagens do Brasil", de Sheila Schvarzman, é livro que a partir de agora estará na estante do pesquisador de cinema brasileiro. Daqueles livros a que se recorre e quase sempre se discorda.
Ambiciosa, Schvarzman publicou volume de 400 páginas, em que tenta arcar com a tarefa titânica de dar conta do conjunto da obra de Humberto Mauro.
Desde o canônico "Humberto Mauro: Cataguases, Cinearte", de Paulo Emilio Salles Gomes, e o antológico "Humberto Mauro: Sua Vida, sua Arte, sua Trajetória no Cinema", de Alex Viany, dos anos 70, são múltiplos os olhares sobre o realizador que atravessou silencioso e falado, foi constituído um clássico, com poucas obras perdidas. Mas nada com tal ânsia de totalidade sem abrir mão do pensamento crítico.
Pesquisa de fôlego, seis anos de trabalho, é formidável a abrangência das fontes consultadas, a minúcia obsessiva e exemplar que a corporação dos historiadores dedica a seus objetos. Longe do velho contexto uno e redutor, a autora luta para negociar inúmeros filmes e documentos verbais e se manter à tona. O livro é uma ponte estabelecida entre a história e os estudos de cinema e o abismo que os separa.
A estrutura cronológica dos capítulos trouxe uma diluição ao desenvolvimento dos problemas colocados aos filmes do cineasta mineiro. Os problemas são em maior número do que a princípio parece que o livro irá se ocupar.
Uma alegada tese central que defende que Humberto Mauro não é pastoral, mas também canta o progresso, não chega a ser desenvolvida. E, no fim do livro, a obra madura de Mauro parece subjugar autora e tese.
A questão da paisagem em Mauro foi desnaturalizada por José Carlos Avellar que afirmou o cinema de Mauro "como um cinema que, nada ingênuo, busca se inventar a partir da paisagem brasileira". E citando o próprio Mauro: "Tiro poesia da paisagem de minha paisagem cotidiana".
À questão da paisagem como construto social, se unem conceitos como romantismo, por exemplo, talvez não suficientemente explicados. Aqueles que acreditam em meganarrativas falariam em impressionismo.
O bloco sobre o Instituto Nacional de Cinema Educativo, a produção de Mauro e sua ligação com Roquete Pinto, é rico a ponto de desequilibrar o livro e veio para ficar. E a pergunta: uma obra dessas sem índice remissivo?
O anedotário compilado abala leituras estabelecidas dos filmes de Mauro. A nota em que Mauro lembra que o todo-poderoso da história geral do cinema, Georges Sadoul, tomou o epíteto "Freud de Cascadura", no imortal ataque de Pongetti, como elogio a Mauro é um deles. A mordaz desqualificação de classe, incompreensível para o francês, é perdida. Apenas a comparação com o fundador da psicanálise anuncia um reconhecimento, no próprio ataque, das pulsões em "Ganga Bruta".
Schvarzman sabe, para usar uma metáfora à Mauro, onde é que amarrou sua égua. Griffith nacional, avô do cinema brasileiro, do livro monográfico ao artigo esparso, quantos foram os que publicaram sobre o velho mineiro nessas últimas três décadas? Quantos inéditos? E a legião de maureanos, que inclui neto de sangue, cada um tem o seu Humberto Mauro, filme favorito, tese. Cobramos até o que a autora não se dispôs a fazer.
A resenhista não se exclui da referida malta. O livro ressalta happy ends negados e o desejo trágico, mas cala sobre gêneros cinematográficos. Em "Argila", a que gênero pertence a loura, mulher livre que fuma, salamandra queimada em seu fogo? Lembro que para o velho Sanz, Humberto Mauro era principalmente um bom diretor de melodramas.


Hilda Machado é doutora em história e professora de cinema da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Humberto Mauro e as Imagens do Brasil
   
Autor: Sheila Schvarzman
Editora: Unesp
Quanto: R$ 34 (248 págs.)



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