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"HUMBERTO MAURO E AS IMAGENS DO BRASIL"
Obra sobre artista faz ponte entre história e estudos de cinema
"Griffith brasileiro" aparece "resumido" em pesquisa titânica
HILDA MACHADO
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Humberto Mauro e as
Imagens do Brasil", de
Sheila Schvarzman, é livro que a
partir de agora estará na estante
do pesquisador de cinema brasileiro. Daqueles livros a que se recorre e quase sempre se discorda.
Ambiciosa, Schvarzman publicou volume de 400 páginas, em
que tenta arcar com a tarefa titânica de dar conta do conjunto da
obra de Humberto Mauro.
Desde o canônico "Humberto
Mauro: Cataguases, Cinearte", de
Paulo Emilio Salles Gomes, e o antológico "Humberto Mauro: Sua
Vida, sua Arte, sua Trajetória no
Cinema", de Alex Viany, dos anos
70, são múltiplos os olhares sobre
o realizador que atravessou silencioso e falado, foi constituído um
clássico, com poucas obras perdidas. Mas nada com tal ânsia de totalidade sem abrir mão do pensamento crítico.
Pesquisa de fôlego, seis anos de
trabalho, é formidável a abrangência das fontes consultadas, a
minúcia obsessiva e exemplar que
a corporação dos historiadores
dedica a seus objetos. Longe do
velho contexto uno e redutor, a
autora luta para negociar inúmeros filmes e documentos verbais e
se manter à tona. O livro é uma
ponte estabelecida entre a história
e os estudos de cinema e o abismo
que os separa.
A estrutura cronológica dos capítulos trouxe uma diluição ao
desenvolvimento dos problemas
colocados aos filmes do cineasta
mineiro. Os problemas são em
maior número do que a princípio
parece que o livro irá se ocupar.
Uma alegada tese central que
defende que Humberto Mauro
não é pastoral, mas também canta
o progresso, não chega a ser desenvolvida. E, no fim do livro, a
obra madura de Mauro parece
subjugar autora e tese.
A questão da paisagem em
Mauro foi desnaturalizada por José Carlos Avellar que afirmou o
cinema de Mauro "como um cinema que, nada ingênuo, busca se
inventar a partir da paisagem brasileira". E citando o próprio Mauro: "Tiro poesia da paisagem de
minha paisagem cotidiana".
À questão da paisagem como
construto social, se unem conceitos como romantismo, por exemplo, talvez não suficientemente
explicados. Aqueles que acreditam em meganarrativas falariam
em impressionismo.
O bloco sobre o Instituto Nacional de Cinema Educativo, a produção de Mauro e sua ligação
com Roquete Pinto, é rico a ponto
de desequilibrar o livro e veio para ficar. E a pergunta: uma obra
dessas sem índice remissivo?
O anedotário compilado abala
leituras estabelecidas dos filmes
de Mauro. A nota em que Mauro
lembra que o todo-poderoso da
história geral do cinema, Georges
Sadoul, tomou o epíteto "Freud
de Cascadura", no imortal ataque
de Pongetti, como elogio a Mauro
é um deles. A mordaz desqualificação de classe, incompreensível
para o francês, é perdida. Apenas
a comparação com o fundador da
psicanálise anuncia um reconhecimento, no próprio ataque, das
pulsões em "Ganga Bruta".
Schvarzman sabe, para usar
uma metáfora à Mauro, onde é
que amarrou sua égua. Griffith
nacional, avô do cinema brasileiro, do livro monográfico ao artigo
esparso, quantos foram os que
publicaram sobre o velho mineiro
nessas últimas três décadas?
Quantos inéditos? E a legião de
maureanos, que inclui neto de
sangue, cada um tem o seu Humberto Mauro, filme favorito, tese.
Cobramos até o que a autora não
se dispôs a fazer.
A resenhista não se exclui da referida malta. O livro ressalta
happy ends negados e o desejo
trágico, mas cala sobre gêneros cinematográficos. Em "Argila", a
que gênero pertence a loura, mulher livre que fuma, salamandra
queimada em seu fogo? Lembro
que para o velho Sanz, Humberto
Mauro era principalmente um
bom diretor de melodramas.
Hilda Machado é doutora em história e
professora de cinema da Universidade
Federal Fluminense (UFF).
Humberto Mauro e as Imagens do Brasil
Autor: Sheila Schvarzman
Editora: Unesp
Quanto: R$ 34 (248 págs.)
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